Governo Lula não cortou repasses para as prefeituras em 30%; entenda como funciona

Boatos desinformam sobre recursos encaminhados pela União aos municípios e tiram dado de contexto; prefeitos cobram mais apoio.

anúncio de uma “greve” de prefeitos cobrando medidas de apoio em Brasília, na semana passada, veio acompanhado de desinformação nas redes sociais a respeito dos repasses do governo federal para os municípios. Conteúdos enganosos alegam, por exemplo, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria cortado a verba em 30% e relacionam a notícia a estimativas de déficit nas contas públicas.

O Estadão Verifica apurou a informação em dados oficiais de execução orçamentária e constatou que ela não é real. O principal repasse aos municípios ocorre por meio do Fundo de Participação Municipal (FPM), que é uma transferência constitucional, ou seja, não cabe ao governo federal decidir o valor ou o momento do depósito. Ele é obrigado a transferir o recurso na conta das prefeituras nos dias 10, 20 e 30 de cada mês.

O FPM depende da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além dos percentuais de participação de cada município no montante compartilhado. Essa fatia, por sua vez, está diretamente ligada ao número de habitantes e ao nível de renda da população do Estado (veja mais detalhes sobre as regras abaixo)

De janeiro a agosto deste ano, segundo dados da plataforma de transparência Siga Brasil, mantida pelo Senado Federal, as transferências do FPM aumentaram 4,93% em relação ao mesmo período do ano passado, alcançando a quantia nominal de R$ 93,8 bilhões. O crescimento está levemente acima da prévia da inflação divulgada pelo IBGE em 25 de agosto, que acumula 4,24% de alta em12 meses.

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De onde surgiu a queda de 30%, então? A resposta consta em um manifesto divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que apoia a greve das prefeituras. A entidade chamou a atenção para quedas acentuadas em duas parcelas específicas do fundo: a de 10/7, que teve recuo de 34,5% em comparação com a mesma data do ano passado, e a de 10/8, que caiu 20,3%.

Elas não representam o comportamento dos repasses do FPM no ano, que continuam 4,93% maiores que o ano passado — e, na realidade, nem dos respectivos meses “cheios”, que fecharam com recuos mais brandos de 11,4% e 7,9% em julho e agosto de 2023, segundo levantamento da CNM. O dado original foi distorcido pelos conteúdos que circulam nas redes.

Para além dessa questão, as prefeituras reclamaram do represamento da liberação de emendas parlamentares destinadas aos municípios. De fato, nesse caso, o governo federal pode manejar o orçamento, definindo o momento do envio ou solicitando contingenciamento de parte dos recursos caso haja necessidade de contenção de despesas. Os valores, no entanto, são significativamente menores do que o FPM.

O valor pago em emendas para as prefeituras até agosto é de R$ 8,6 bilhões, contra R$ 13,9 bilhões no mesmo período do ano passado, queda nominal de 38,5%. A pressão dos prefeitos, no entanto, parece surtir efeito no governo, com forte crescimento nos empenhos — quando o governo compromete o recurso para pagamento. O valor agora se aproxima dos níveis do ano passado: R$ 17,3 bilhões até agosto, contra R$ 18 bilhões em 2022, redução de 4,2%.

Como funcionam os repasses do FPM?

Estopim da “greve” dos prefeitos, os repasses do FPM seguem duas regras principais: o art. 159 da Constituição Federal, que obriga o governo a transferir 22,5% da arrecadação de IR e IPI para os municípios através do fundo; e a Lei Complementar 62/1989, que determina o repasse dos recursos em três parcelas mensais com base na arrecadação dos impostos no decêndio anterior ao pagamento.

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Além disso, a participação dos municípios no montante arrecadado não é a mesma para todos. Ela é resultado de um cálculo do Tribunal de Contas da União (TCU) que se baseia na população do município e na renda per capita do Estado, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa conta é atualizada todos os anos, gerando um coeficiente, ou índice de partilha, para cada município.

As mudanças nos repasses para as prefeituras podem acontecer basicamente por quatro motivos:

  • Nível de arrecadação regular de impostos (IR e IPI) e o momento em que os lotes do imposto de renda são pagos pela Receita Federal;
  • Atualizações dos coeficientes pelo TCU e, mais especificamente, dos dados populacionais e de renda medidos pelo IBGE;
  • Alterações nas leis aprovadas pelo Congresso e sancionadas pela Presidência da República (a exemplo da regra de transição para municípios que perderam habitantes);
  • Decisões judiciais (o STF, por exemplo, concedeu liminar desconsiderando o novo Censo Demográfico para o cálculo em 2023).
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Alan Ribeiro
Alan Ribeiro

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