Mais esforço nos estudos, mais engenheiros, menos influencers

Demóstenes Torres

Em minha infância lá na Fama, um bairro de Goiânia que à época parecia distante do Centro, a caminhada se direcionava para a escola e apenas enquanto os pais estavam vendo – o restante era na correria, porque moleque não se aguenta devagar, imagine quieto. O próprio nome do lugar vinha de escolas mantidas pela Maçonaria na Fundação de Assistência ao Menor Abandonado, depois esse título ficou ofensivo e mudou para “ao Menor Aprendiz”. Naqueles meados dos anos 1960, a meninada estudiosa admirava demais quem fazia faculdade. Se não tivesse exemplos em casa, como eu, ficava curiosa até de como vivia um universitário. A jovem que apresentava um deles como pretendente recebia apoio da parentada toda.

Antes do vestibular, precisávamos dos exames do Gonçalves Ledo, o colégio profissionalizante da Fama, com cursos técnicos de administração de empresas e contabilidade. O funil, estreitíssimo, deixava orgulhosas as famílias dos secundaristas aprovados, porém nada se comparava a quem entrasse no Direito, na Medicina, nas Engenharias ou em qualquer outro curso superior – nem carecia ser tão superior assim nada. No país inteiro, 101 mil rapazes e moças (mais eles do que elas) conseguiram em 1960.

A evolução em quantidade está sendo tamanha que assombra: em 2010 já eram 4.784.620 vagas e passaram para 23.665.419 no ano passado. A maioria, pela 1ª vez, na modalidade ensino a distância. No nosso tempo lá na Fama, o EAD era pelos Correios. O mais famoso, o Instituto Universal Brasileiro, tinha o que hoje é a arroba repetido com insistência nos programas de rádio: caixa postal 5058, São Paulo. A pessoa exibia sorridente o diploma do IUB na parede ao lado dos quadros com fotos pintadas das diversas gerações.

É covardia comparar o percentual de mercado de IUB e EAD, pois sobrava serviço para o eletricista formado por ele e suspeito que seja baixíssimo o aproveitamento da mão de obra qualificada por ela. Há 57 anos, exatamente na noite de 23.set.1968, morreu o santo italiano Padre Pio, que entre outras lições de devoção tem uma que vale para os dois estágios: a dedicação ao extremo. Claro, não precisa chegar ao autoflagelamento. Quarenta anos antes de ele subir ao Céu, Karol Wojtila confessou-se com ele e 30 anos após subiria a fumaça branca anunciando-o Papa – e João Paulo II foi quem canonizou Pio.

A diferença está no número de horas com a cara grudada nos livros. Ocorreu comigo para passar em concursos públicos, acontecia com os mecânicos de automóveis diplomados pelo Instituto Universal, o mesmo com Pio e Wojtila/JPII. Divulgou-se nesta semana o Censo da Educação Superior do Inep/MEC, com dados relativos a 2024: mais de 5 milhões (18% mais elas do que eles) entraram nas 2.561 faculdades. Quase 5.000% mais desde 1960 – pena que somente as lágrimas acompanhem, sangue e suor muito menos.

Critica-se bastante o nível de professores e resultados das faculdades, presenciais e a distância. Porém, o item nº 1 é personalíssimo, o esforço individual. Óbvio que a tecnologia ajuda, as telinhas se revelaram maravilhosas, os novos métodos são ótimos, ter uma sala de aula em cada esquina popularizou, mas nada substituiu a dupla olho e letra, dentro da escola ou na mesinha do quarto. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está com interessante experiência, que faz sucesso na Ásia, de valorizar as horas que o aluno fica em casa. É a fórmula eficiente de ofuscar as atrações da rua.

Tornou-se difícil competir com os vídeos no celular e as mensagens nas redes sociais, então, por que não incentivar o estudante a investir parte do dia com vídeos e mensagens de conhecimento? Os antepassados desses jovens aprenderam corte e costura e desenho industrial à luz de lamparinas a querosene. Os que se alfabetizaram ainda crianças foi porque caminharam léguas de areia, poeira e lama rumo à classe multisserial das escolas rurais e nos distritos, como a Capelinha, na minha Anicuns natal.

Os profissionais da Educação enfrentam desafios gigantescos, como a quantidade de matrículas (10.227.266) e de concluintes (1.333.988) no ano passado. Reclamões e pessimistas dão a desculpa da desistência porque as explicações são chatas, que estavam com sono, que a mensalidade pesa no bolso, que saem tarde do emprego ou que o curso não capacita à altura de suas exigências de empreendedores. Se o número de vagas aumentou quase 500% desde 2010, o de quem pegou o canudo no mesmo período não subiu 40%.

Existem movimentos para não fazer faculdade, aplicativo com 12 minutos de áudio para obras com 800 páginas, a cultura do resumo em PDF, enfim, os atalhos para chegar à beatificação sem saber o Pai-Nosso. Os professores universitários eram 290.510 há década e meia, são 316.989 e há 887.695 fazendo Pedagogia. Têm a missão de segurar a moçada e orientar vocação, pois o Brasil precisa de engenheiros, físicos, matemáticos, químicos, biólogos. Não dá para apresentar aos pais só quando se namora influencer.

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Alan Ribeiro
Alan Ribeiro

Alan inicia seus trabalhos com o único objetivo, trazer a todos informação de qualidade, com opinião de pessoas da mais alta competência em suas áreas de atuação.

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