
OPINIÃO: POR ALAN RIBEIRO
Nos últimos anos, presenciamos uma crescente e, para muitos, preocupante valorização dos chamados bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam recém-nascidos com impressionante perfeição estética. Embora reconheça-se o talento artístico envolvido em sua criação, é preciso estabelecer um limite claro entre a apreciação de um objeto inanimado e a construção de vínculos emocionais que ultrapassam o razoável.
Esses bonecos são, em sua essência, o que são: bonecas ou bonecos inanimados. Não respiram, não sentem, não têm consciência. Ainda assim, uma parcela da sociedade passou a tratá-los como substitutos de filhos — uma substituição que, do ponto de vista racional, revela um descompasso perigoso entre fantasia e realidade.
Não é raro encontrar relatos de pessoas levando seus reborns ao pronto-socorro, matriculando-os em escolas, empurrando carrinhos em parques e até solicitando que sejam tratados com o mesmo cuidado e atenção dispensados a uma criança de verdade. Tais atitudes, embora possam parecer excentricidades inofensivas à primeira vista, merecem atenção crítica. Quando se trata um objeto inanimado como um ser vivo — e mais ainda, como um filho — estamos diante de algo que extrapola o hobby ou o colecionismo. Nestes casos, a intervenção psicanalítica ou psicológica não deve ser descartada, pois a substituição simbólica pode ser um sintoma de traumas não resolvidos, carências profundas ou negação da realidade.
A responsabilidade da mídia nesse cenário também não pode ser ignorada. Ao romantizar e glamourizar o universo dos bebês reborn, promovendo reportagens emocionadas, influenciadores com “rotinas de maternidade reborn” e exposições públicas carregadas de sentimentalismo, cria-se um ambiente em que a linha entre o real e o simbólico se torna cada vez mais tênue — o que, para pessoas emocionalmente fragilizadas, pode representar um incentivo perigoso.
É evidente que vivemos em uma sociedade cada vez mais marcada pelo vazio afetivo, pela perda de vínculos significativos e pela crescente dificuldade em lidar com a dor e o luto. Nesse cenário, os bebês reborn surgem como válvulas de escape. Mas o que parece conforto pode, na verdade, ser um prolongamento da dor, uma forma inconsciente de se manter preso à ausência, ao invés de superá-la.
Portanto, é urgente que se resgate o discernimento. Bonecos não são filhos. Não devemos incentivá-los como tal, nem normalizar comportamentos que sinalizam fuga da realidade. O afeto genuíno deve estar voltado às relações humanas verdadeiras, e o sofrimento emocional precisa ser tratado com empatia, responsabilidade e apoio profissional, não com substituições inanimadas.