Lula e o PT morreram. É hora de enterrar a ideia que eles representam”

“Agora é o momento de dar um passo adiante e reconhecer que os verdadeiros inimigos não são partidos ou pessoas”

Qualquer estudante de sociologia ou ciências sociais tem na ponta da língua a solução para todas as mazelas do capitalismo. Se o problema da humanidade é a desigualdade e a concentração de riqueza, basta que os proletários expropriem os meios de produção. Mas o que acontece no dia seguinte a que toda a riqueza estiver redistribuída e a elite gananciosa devidamente estripada?

Todos os revolucionários do século XX depararam-se com essa burguesa questão. A gloriosa Revolução Russa de novembro de 1917 coroou a vitória da luta da classe trabalhadora. Indústrias e fazendas foram completamente nacionalizadas e estatizadas, postas sob o controle do povo, claro, representado pelo Partido Comunista. Em 1921, 80% da população estava reduzida a uma condição miserável. A população urbana havia declinado em 24%, com as pessoas fugindo para o campo. Faltavam 30.000 empregados nas fábricas, uma vez que, sem compensação financeira, as pessoas não trabalhavam. Com a escassez generalizada, cerca de 60% da economia era um mercado negro. As ferrovias pararam de funcionar, e uma epidemia de tifo se espalhou pelo país. Em 1922, pressionado por revoltas populares, Lênin acabou implantando a Nova Política Econômica, que nada mais era que o retorno a uma espécie de capitalismo de estado.

Depois de tomarem o poder na China em 1949 (com um saldo de 10,6 milhões de mortos), os comunistas liderados por Mao Tsé-Tung bolaram e implantaram o Grande Salto Adiante, que pretendia tornar a República Popular da China uma nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde, acelerando a coletivização do campo e a industrialização urbana. A fome que se seguiu matou 75 milhões de pessoas, e a taxa de mortalidade infantil saltou de 15% para 68%.

O fracasso do Grande Salto Adiante levou à Revolução Cultural, que não passou de um expurgo de gente insatisfeita com os rumos da revolução. Mao se autopromoveu a deus, e instituiu campos de concentração pra onde eram encaminhados todos os que não estavam felizes com o people’s power. 3 milhões de seres humanos morreram até que o “Grande Timoneiro” finalmente descesse ao inferno, e o governo que se seguiu implantou reformas em direção ao capitalismo que transformaram a China em segunda maior economia global.

A América Latina não poderia ficar de fora. Em 1961 Che Guevara tornou-se Ministro da Indústria e presidente do Banco Nacional de Cuba. O resultado foi tão bom que em 1965 Fidel deu dinheiro para que o Ernesto fosse fazer revolução em outros países bem longe dali, preferencialmente até em outro continente. Quando o exército boliviano meteu uma bala no Che em 1967, provavelmente em nenhum outro lugar do mundo respiraram mais aliviados quanto na própria Cuba.

Em janeiro de 2016 Maduro foi mais longe e efetivamente nomeou como Ministro da Economia um sociólogo que havia estudado “profundamente o fenômeno do rentismo e seu esgotamento, e os fenômenos da guerra econômica”. Hoje a inflação venezuelana chega a 800%, e o PIB recuou 19% em 2016, enquanto Maduro dançava salsa em seu programa diário de TV.
Ainda assim, a ideia de um regime coletivizante não morre. E não morre porque ela apela poderosamente a um traço psicológico humano, uma mistura de um desejo legítimo de moldar a realidade pra melhor, com uma certa presunção intelectual que se arroga o “direito” de impor à força a própria concepção de justiça sobre outros. Como dizia H. L. Mencken, “a ânsia de salvar a humanidade é quase sempre uma desculpa para a ânsia de governa-la.”

Todos os exemplos acima são de fracassos do socialismo, que como sistema TOTAL (total porque, ao contrário do capitalismo, não se propõe a ser somente um modo de produção, mas um sistema filosófico-sociológico-econômico completo e fechado em si, submetendo e dominando cada aspecto da vida de todos) falhou todas as vezes em que foi tentado, mas ainda assim encontra defensores ardorosos. No front interno, a situação não é muito diferente.

Embora haja decerto um desencanto palpável por parte da militância, há também esforço de narrativa para concentrar as culpas não na ideia, que seria inerentemente boa e, como tal, mereceria ser salva, e sim nas pessoas que supostamente deveriam materializar a ideia, mas se “venderam” ao sistema. Ou a culpa seria, mais uma vez, de empresários gananciosos, que na sua corrida pelo lucro teriam corrompido anjos celestiais e bem-intencionados da estirpe de José Dirceu e Lula.

A psicanalista Maria Rita Kehl, por exemplo, declarou, após a divulgação de delações que apontam que Lula enriqueceu com tráfico de influência, lobby e pagamento de propinas, que Lula ” não era uma pessoa tão bacana e tão íntegra”, mas que ainda assim ele “foi o melhor presidente que esse país já teve, sem dúvida, e isso não muda”.

Noam Chomsky disse ao “Democracy Now” que “é simplesmente doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores no Brasil , que implantou medidas significativas, simplesmente não pôde manter as mãos fora da caixa registradora. Juntaram-se à elite extremamente corrupta”. A ideia de “elite corrupta” e corruptora vem plasmada também na afirmação do jornalista britânico e progressista Glenn Greenwald, que num tweet disse que a Odebrecht “deveria ser estatizada”, como se o problema da corrupção no Brasil derivasse da existência de empresas privadas, e não do fato de que o Brasil sustenta um estado-panaceia tomado por gente sedenta por poder e dinheiro, e sem nenhum escrúpulo.

No Roda Viva, Eugênio Bucci, professor da USP, questionou as críticas contundentes que João Doria, prefeito de São Paulo, costuma fazer aos 13 anos de governos petistas, indagando se a “inclusão social” promovida naquele período não seria um aspecto positivo a ser mencionado. Vê-se aí a tentativa de justificar um erro por um suposto acerto, como se fosse possível dissociar a crise econômica aguda verificada no Brasil a partir de 2012, e intensificada em 2014, justamente da tal política econômica “inclusiva” e economicamente irresponsável que lhe precedeu.

Logo, o processo em curso envolve descartar as pessoas e instituições que “falharam”, para salvar o ideal. Muda-se a roupagem apenas: o discurso “ético” migrou para o PSOL, o discurso “revolucionário” para o PSTU, o discurso ambientalista para a Rede, todos partidos dissidentes do PT, herdeiros da ideia que sempre falha mas nunca morre, esperando apenas que o próprio PT, que agora é um cadáver insepulto no meio da sala, seja de vez enterrado para que eles possam levar adiante seu estelionato intelectual sem o constrangimento do fiasco lulista-dilmista.

Ao longo de 2015 e 2016 milhões de pessoas foram às ruas protestar contra a presença de Dilma Rousseff na Presidência da República, ou para pedir que Lula fosse preso, mas agora é o momento de dar um passo adiante e reconhecer que os verdadeiros inimigos não são partidos ou pessoas, mas as ideias nefastas que os movem. Essas ideias e suas consequências perversas, que vitimam principalmente os mais pobres, tem que ser expostas e desmascaradas de maneira pública e clara. Só quando não se puder defender essas ideias em público sem ser alvo de riso, ou no máximo da condescendência que adultos dedicam a crianças ingênuas, é que o Brasil terá alguma chance como projeto de nação.

Rafael Rosset é advogado há 15 anos, especialista em Direito Ambiental, palestrante e articulista; perfil no Twitter; e no Facebook.

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Alan Ribeiro
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