
Entre as parábolas que Jesus contou, uma é bastante inquietante. Eis a narrativa de Lucas 18.9: “Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu em pé, orava silenciosamente: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’. Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’.
O arremate de Jesus veio como um cruzado de esquerda no queixo dos religiosos: Eu lhes digo que este homem [o indigno publicano] e não o outro [o moralista religioso] foi para casa justificado diante de Deus.
Ao contrário do que a maioria pensa, os religiosos são os primeiros a carecerem de salvação. O fermento que pode estragar o projeto de Deus para a humanidade pode vir, prioritariamente, dos autoproclamados salvos. Da arrogância de quem se vê eleito, o veneno da hipocrisia tem ação lenta. E entre os religiosos, maior tentação sofre quem se considera ungido.
Por isso Jesus quer salvar televangelistas, pastores, apóstolos e bispos. O evangelho promete redimir, inclusive, estrelas de primeira grandeza da religião. Mesmo difícil, o clero profissional pode ser alcançado pelo amor de Deus. Nenhum burocrata da fé está irremediavelmente perdido. Jesus salvou gente bem escolada no bê-a-bá da religião como Nicodemos, Zaqueu e Saulo de Tarso. Depois, o Novo Testamento lembra que o juízo divino começa pelas sacristias e gabinetes pastorais.
A grande mensagem do evangelho é que Deus ama a todos, incluindo, embusteiros, charlatões, exorcistas e cambistas do templo. Jesus deseja resgatar os cínicos que mantém seus colarinhos clericais alvejados no polvilho do oportunismo institucional. Milagreiros podem ser tocados e se arrependerem. Se é verdade que todos podem herdar a vida eterna, o que seria necessário para a salvação de um religioso?
Salvação chega à casa do religioso se ele se dispor a calçar as sandálias da pobreza.