Demóstenes Torres*
Teotônio Brandão Vilela morreu como viveu, onde queria, nas suas Alagoas, ouvindo canário cantar.
Como os pássaros de que tanto gostava, voou em 27 de novembro de 1983, há precisamente 41 anos fazendo muita falta.
Foi deputado, vice-governador, senador, político raro do tipo que adere à oposição.
Apoiou o golpe militar de 1964, viu a ditadura em que redundou e virou adversário ferrenho da ausência de liberdades.
Isso é ser liberal – e os conservadores o respeitam.
Isso é ser de direita – e a esquerda o endeusa.
É impossível compará-lo no atual espectro, mas é como se conhecesse por dentro os dois lados e ficasse de um só, o lado do Brasil.
Fala-se muito em cadeia para esse ou aquele.
Teotônio foi atrás de quem estava nas grades:
“Não encontrei em parte alguma, entre os 50 presos políticos que visitei, qualquer terrorista. Todos jovens à época em que foram presos, têm a convicção de voltar à sociedade para trabalhar e iniciar uma atividade política mediante uma vinculação ideológica”.
Pensava exatamente o contrário deles, mas rompeu com o regime que os enjaulou por impedir sua participação popular.
De saúde bem frágil, sofrendo com a doença que lhe seria fatal, percorreu o Brasil a discursar para as multidões pregando a redemocratização.
Para ele, Milton Nascimento e Fernando Brant escreveram “Menestrel das Alagoas”, o hino do movimento Diretas Já na voz de Fafá de Belém:
“Quem é esse meu poeta
Que ninguém pode calar?”
O corpo esquálido do gigante das liberdades se avolumava a cada frase.
Por isso, triunfou sobre os cânceres, o que se espalhou pelos seus órgãos e o que assomara a nação como elixir.
Eis o reforço pretendido, o de gente que se doe, ainda que tenha para doar apenas a eloquência da humildade:
“Prosseguirei na minha vida de velho menestrel, cantando aqui, cantando ali, cantando acolá, as minhas pequeninas toadas políticas”, disse em seu último pronunciamento no Senado, em novembro de 1982, no setembro seguinte seria imortalizado nos versos de Milton e Brant.
Dois meses depois, numa tardinha de Maceió, foi buscar fruta no quintal do céu.
As sementes estavam espalhadas: 4 meses após, o Congresso rejeitou a votação direta para presidente, mas no início de 1985 seu colega de palanque Tancredo Neves venceria Paulo Maluf no Congresso.
E o resto é o que se lê nos bons livros.
No Senado, fui colega de seu filho, que herdou o nome e o talento para articular, e tive a oportunidade de lhe dizer quão fã continuo sendo do menestrel.
Inclusive, de suas histórias, como a do professor João Domingues com quem concluiu o primário: “Muitas vezes trocava o giz do quadro por um charuto e tentava acender o giz. Tomava uma cana violenta, mas era um velho adorável” – quem aprende com um sujeito desses não vê a sabedoria virar fumaça.
Queria demais ter conhecido ambos, Teotônio e João Domingues.
Quem não gostaria de conviver com um boêmio que sonhava ser aviador e trocou o Rio de Janeiro, onde estudava em escola militar e ambiente propício para ambas as atividades, para ser boiadeiro no sertão nordestino?
A você que viu o filme “Ainda estou aqui”, recomendo o documentário “O evangelho segundo Teotônio”.
Fala do pai agnóstico e da mãe, uma santa católica, que geraram Dom Avelar, cardeal primaz do Brasil.
E louva o chão, donde se entende a troca do Rio pela roça: “A grande alegria [dele, Teotônio] era sair de madrugada, ir para o planalto onde se planta o milho e o feijão, terreno enxuto, forte, argiloso, e ficar de cócoras escutando o milho arrebentar”.
Qual político ouve literalmente o seu torrão?
Alguém que dá ouvidos à explosão dos grãos não procura encrenca, sua ira é santa, “transforma sal em mel”.
Vote no primeiro candidato que aparecer nas suas redes dizendo que em vez do caça da Aeronáutica preferiu o galope de seu cavalo a campear o gado.
Um Teotônio estaria hoje a nos acalmar, como agitou quando imprescindível.
Faria live interagindo, respondendo na “língua do povo, como ninguém fala mais”.
Teria um canal no YouTube sobre empreendedorismo rural, estimulando a juventude a produzir, aliando ciência à fertilidade da mente e da terra.
Assinaria uma coluna neste jornal eletrônico defendendo as liberdades, todas elas, a econômica, a de expressão, a de rebelião dos saltimbancos.
Guerra, sim, mas somente contra o atraso.
Creia não em quem promete ouvir as massas, mas em quem você vir escutando o tesouro gerador das riquezas que equilibram a balança comercial brasileira.
Voltar ao passado, sim, mas só para buscar o exemplo de gente como Teotônio Brandão Vilela.