O fim de um conflito: uma virada histórica

Alan Ribeiro*

Quando anunciamos o fim de um conflito tão prolongado — em especial o embate entre Israel e o Hamas, que escalou intensamente desde outubro de 2023 — somos obrigados a reconhecer que se trata de algo pouco menos que uma virada histórica. Por anos, vidas foram interrompidas, cidades devastadas, esperança corroída pela constante ameaça da violência. Se (e quando) esse fim se concretiza, abre-se uma janela para possibilidades até então distantes.

As condições de um cessar-fogo verdadeiro

Para que esse fim seja duradouro e não apenas uma pausa — ou uma trégua temporária —, várias condições precisam ser respeitadas:

  1. Troca de prisioneiros e libertação de reféns: é um ato de justiça essencial, humanitariamente urgente. Liberar reféns vivos e entregar restos mortais adequadamente honra tanto a memória quanto os direitos humanos.
  2. Retratação dos danos humanitários e reconstrução: Gaza, em especial, sofreu destruição massiva. Habitações, infraestruturas básicas (saúde, água, eletricidade), escolas, hospitais — tudo isso precisa de reconstrução, com acesso e participação da população local.
  3. Retirada das forças militares e cessação das hostilidades: um dos grandes entraves é definir como, quando e sob quais condições ocorreria a retirada israelense de áreas ocupadas ou controladas durante operações militares — bem como garantir que grupos armados (de ambos os lados) cessem ações ofensivas.
  4. Garantias internacionais e mecanismos de monitoramento: não basta o acordo doméstico; precisa de envolvimento de mediadores, observadores internacionais, organizações humanitárias que possam assegurar que os termos sejam cumpridos. Transparência e confiança são fundamentais.
  5. Governança e futuro político: se o fim do conflito significar simplesmente uma mudança no tiroteio, mas não nos modelos de poder, nas condições de vida, no bloqueio ou restrições, na dignidade humana, a paz será muito superficial. Há uma necessidade de se discutir como será a autoridade em Gaza, como se dará a participação política da população, como garantir segurança, direitos civis, liberdade de movimento.

Os desafios sobre os quais paira o futuro

Mesmo com um cessar-fogo formalizado, os desafios não desaparecem — muitos vão persistir ou até se intensificar:

Reconciliação e trauma: o sofrimento humano deixa feridas profundas — perdas, traumas, memórias de destruição. A reconciliação social — entre famílias, comunidades — demanda tempo, apoio psicológico, confiança mútua.

Desigualdade e retorno ao normal: para milhões que foram deslocados, cujo acesso a serviços básicos foi interrompido, o retorno à normalidade será lento. A infraestrutura destruída não se refaz em semanas. A economia local precisará de estímulo, de apoio externo, de políticas públicas fortes.

Radicalismo persistente: ideologias que alimentaram o conflito não desaparecem com um papel assinado. Sentimentos de vingança, desconfiança, narrativas extremistas persistem. Será preciso um esforço educativo, cultural, diplomático, para abafar essas chamas.

Fragilidade dos acordos: muitos acordos de paz, historicamente, falharam porque uma ou mais partes não cumpriu promessas, ou por falta de supervisão. Há sempre risco de recaída se as percepções de injustiça ou ameaça voltarem a surgir.

Influência externa e regional: atores externos (governos, organizações, grupos internacionais) têm papel enorme — tanto para ajudar a estabilizar, reconstruir, mediar — quanto para pressionar por seus próprios interesses. Equilíbrio diplomático será fundamental para evitar que o novo momento seja capturado por lógicas de poder geopolítico em detrimento das populações locais.

O legado que resta

Se o fim se consolidar, o legado será imenso:

A memória das vítimas: cada vida perdida, cada história marcada será parte da memória coletiva. Honrar essas memórias será obrigação moral daqueles que sobreviverem.

A necessidade de justiça: não se trata apenas de paz formal, mas de justiça material e simbólica. Reconhecimento de responsabilizações, processos de reparação.

A experiência de solidariedade: diversas expressões internacionais de apoio, ações humanitárias, mobilizações civis — essas redes de compaixão e cooperação têm valor não apenas imediato, mas como exemplo.

A lição de que a paz exige concessões — de ambos os lados —, responsabilidade, e compromisso com a humanidade acima das narrativas de medo e vencedor-perdedor.

O fim do conflito entre Israel e Hamas não seria o fim de todos os problemas — mas representaria uma chance real de reconstrução, de cura, de futuro diferente para gerações que até agora viveram sob sombra de guerra. Paz verdadeira é muito mais do que silêncio de armas: é dignidade, justiça, reconstrução, esperança. E isso exige trabalho, diálogo, coragem para ver o outro não como inimigo, mas como ser humano.

Alan Ribeiro é jornalista e editor do Blog do Alan Ribeiro

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