Demóstenes Torres
A explicação de Tom Jobim para evitar verter “Águas de Março” ao inglês era a eventual dificuldade de traduzir “febre terçã”. Enquanto as chuvas de verão fecham janeiro, ouça o clássico na voz de Elis Regina como reforço ao texto, pois roga-se aqui por estabilidade no país que recebeu a bênção de gerar artistas do nível desses dois. E sua democracia tem de durar além das febres oportunistas.
É pau na moleira no vencido, é pedra no rim do ex, é o fim do caminho para qualquer adversário. O maestro Brasileiro até no nome tinha outro desiderato ao compor, porém sua poesia casa com o divórcio intermitente deflagrado pelas forças de representação nacionais. Sob uma ideologia, órgãos estáveis são guindados a servir a seus próceres; entra outro grupo e as repartições mudam de dono e de feridos. Como diz a canção, é realmente um resto de toco; o que deveria ser a viga, é o vão.
Siglas sérias estratégicas como PF, Abin, MPF, JF e GSI não podem ser usadas como meras sopas de maiúsculas e minúsculas servidas aos nomeados de plantão. Quando isso aconteceu, a nação vivenciou “um dos maiores erros judiciários da história do país”, escreveu Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Nome da vítima: Luiz Inácio Lula da Silva.
Houve outras, muitas outras.
Felizmente, há juízes em Brasília e eles “não batem palmas para doido dançar”, como bem definiu um desses magistrados conscientes e corajosos, Gilmar Mendes, colega de Toffoli no STF. Seguir o fluxo da mídia é aplaudir maluquice, conforme nos ensinou a República de Curitiba, mais prejudicial à indústria nacional que os juros, a burocracia e o modelo viário. Felizmente, Lula 3 e Jair Bolsonaro ignoraram a tal lista tríplice, que transforma o procurador-Geral da República em títere da imprensa. A loucura por clique, like e engajamento pode chegar ao paroxismo de o chefe do Ministério Público Federal duas vezes escolhido pelo Sindicato dos Procuradores da República ir armado à Suprema Corte para matar ministro que discorde de suas aleivosias.
Nome da quase vítima: Gilmar Mendes.
Logo após o 2º turno, o discurso de Lula foi de “paz, solidariedade e fraternidade”. O slogan de seu mandato é “União e Reconstrução”. Está na hora de colocá-los em prática. O Lulinha Paz & Amor, sucesso absoluto no passado, deixou saudades. Precisa voltar à cena.
Lula sofreu na pele os efeitos de estar sem cargo e com estrutura oficial em seu desfavor. Seus filhos eram achincalhados diuturnamente. Liderava as pesquisas quando o tiraram da disputa em 2018. Padeceu na cadeia por 580 dias preso por um juiz incompetente em todos os sentidos. Um homem desses sabe o que é sofrimento. Não o desejaria nem a seu pior inimigo.
Lulinha Paz & Amor focado na gestão, ignorando a turma do contra, agirá para resolver questões como a informada pelo Poder 360 nesta 2ª (“Resultado primário piorou R$ 282,5 bilhões de 2022 para 2023”). Vai mudar quem ou o que for necessário para se sentir seguro com GSI e Abin. Haverá de esquecer Jair Bolsonaro. Há 2 poréns: 1) fundo do poço de político tem mola propulsora e 2) Lula é experiente o bastante para reconhecer a força do conservadorismo. Bolsonaro teve 58.206.354 votos, mesmo comprando encrenca com feministas (num tempo de mulheres empoderadas), LGBTQIA+ (toda família tem, todos temos amigos que são), artistas (vários deles, os melhores em suas áreas), intelectuais (são poucos, mas barulhentos), ambientalistas (não é obrigatório ser de esquerda para testemunhar os efeitos danosos da agressão à Natureza).
Para recuperar a parcela de tempo e popularidade perdidos, basta impedir a companheirada de conflagrar o país. O grande exemplo de distensão vem do novo PGR, Paulo Gonet, com seus Acordos de Não Persecução Penal, os ANPPs. Sem impunidade, sem holofote, só na eficiência.
Saiu no início do ano (7.jan.2024) neste Poder 360 pesquisa da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) sobre integrantes da imprensa realizada em 2021. Sem surpresa: 80,7% dos jornalistas são de esquerda, 4,75% de centro, 2,5% de centro-direita e 1,4% de direita – destes, 0,1% de extrema-direita. Ninguém discorda que Bolsonaro seja de extrema-direita e, portanto, apoiado por apenas 0,1% dos tais formadores de opinião. Se quase metade do eleitorado votou num candidato que pensa igual a 0,1% da imprensa, algo aí está errado. E não é o eleitorado. Nem o ato de pensar diferente.
Lulistas e bolsonaristas se unham alegando incompatibilidades abissais. Negativo, base. Na cúpula, se assemelham pela fórmula matemática que explica o amor como o sentimento mais próximo do ódio. Aparelhamento das siglas? Se diferença surge, é mínima. A Abin paralela, que perseguiu os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, tem integrantes que serviram aos distintos lados da política. GSI, idem. O pai do miojo de letrinhas, Golbery do Couto e Silva, reconheceu sobre o SNI, 1º nome dessas caixas-pretas: “Criei um monstro”. Cada gueto abre a parte do invólucro que lhe convém. O problema é que o monstro é vermelho hoje, verde-amarelo amanhã e sempre volta com o cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.
Nome da vítima: República Federativa do Brasil.
E o monstro tem 2 predadores: paz e amor.
Continue ouvindo MPB, uma deliciosa sopa em caixa alta.