Demóstenes Torres
O divórcio no trisal mídia – políticos – povo ocorre porque tornou-se uma relação tóxica. A primeira acha que os segundos independem do terceiro. Por isso, o corte de podcast com o novo namorado da influencer tem mil vezes mais views que o post sobre a mudança nos juros do Banco Central. A separação do youtuber com a tiktoker repercute além do que for dito sobre os assuntos comezinhos dos três poderes. Resultado, milhões de beneficiados desconhecem a notícia que realmente interessa ao Brasil, a criação do programa Escola em Tempo Integral, no fim do mês passado. Pode ser a salvação desta e das próximas gerações.
Foi um longo percurso. Em 2002, era candidato a senador e me avisaram para corrigir o discurso feito nos palanques atribuindo à Educação o único caminho para o jovem ter escolhas apropriadas. Estudo é tudo. Sem estudar, sem futuro. Mesmo envolto em frases feitas, meu argumento irrefutável era que ações de segurança pública necessitam da sala de aula e uma solução seria o aluno ficar no colégio de cedo até o entardecer. Aparecia quem refutasse. Alertado de que Educação não rende voto, desmenti na prática: comecei a campanha com 0,6%, terminei no topo do pódio. No primeiro ano de mandato, apresentei proposta de emenda (PEC 194/2003) alterando
“a redação do inciso I do artigo 208 da Constituição Federal para estabelecer que o ensino fundamental obrigatório, gratuito e em período integral, assegura, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria”.
A implantação seria gradual e em 2010 estaria em 100% do país. Vai vendo. A ideia, extremamente bem acolhida, foi aprovada no Senado, andou, empacou logo adiante, vai daqui, vai acolá, acabou arquivada em 2014. Porém, deu frutos. Era boa demais para ficar enterrada. Neste ano, o governo a ressuscitou e agora é lei. Como cantam Lexa e Carlinhos Brown na música “Não desista”, letra dele e de Sérgio Valente,
“só o ensino te leva lá
agora tá difícil, mas vai passar
quem não parar vai chegar lá”.
Lá é o aqui e agora. Boas escolas, ótimas escolhas, pois elas (as escolas e as escolhas) são o que somos, diria o filósofo. Traduzindo, o pobre não tem a menor chance; entretanto, se lhe der, ele segura; se não der, ele vai atrás, não para enquanto não chega lá. Há 20 anos, quando protocolei a PEC, o ensino em tempo integral era a melhor possibilidade de futuro para crianças, adolescentes e jovens de famílias humildes. Continua sendo. Atrasou, contudo, chegou. Desde a posse no Ministério da Educação, Camilo Santana insiste no tema. Torná-lo obrigatório para a administração federal significa muito, apesar de o mesmo presidente que o sancionou ter cortado R$ 332 milhões com o programa ainda estado em puerperal. O compromisso é repassar R$ 4 bilhões para criar 1 milhão de vagas inicialmente e 3,2 milhões até o final de Lula 3. O montante parece suficiente. Parece. Não é.
A meta do governo é ficar com o estudante 35 horas por semana. Complicou ao estabelecer os dois turnos. Ou seja, sem refeição. Vai gastar o dobro em transporte, pois a moçada terá de ir a casa almoçar. Quando esse milhão de alunos voltar do rancho, a turminha da tarde estará ocupando suas carteiras. Ficarão onde? Nas 25 mil salas prometidas para ainda este ano. Outro tanto em 2024. E permanece no ritmo rumo a 2026. Merenda? Claro, rapaziada nessa idade não fica com fome o período vespertino inteiro. Uniforme? Soma aí as camisetas. E os tênis. Materiais? Fartura de computadores, cadernos, livros. Professores? É claro, são imprescindíveis, serão valorizados. Acrescente tudo na planilha.
Enfim, sobram dificuldades. Mas ninguém disse que seria fácil. Caberá ao Brasil se unir a Camilo Santana inclusive na briga interna por dinheiro nas equipes de Lula, entre elas as bancadas no Congresso. Quer premiar um deputado leal? Faça isso sugerindo-lhe que imponha a emenda a unidades de tempo integral dos municípios que representa. Senador deseja recurso para suas bases? Idem. Aí, entra em cena o imenso público das redes sociais cobrando de seus representantes que honrem o apoio recebido destinando verbas para a Educação.
A escola precisa ser o vetor de todas as políticas sociais. Check-up? Consultas e exames semestrais no cômodo ao lado da secretaria. Saúde bucal? Gabinetes odontológicos capazes de procedimentos que vão da limpeza à ortodontia. Oftalmológica? Cirurgias e óculos para quem depende. Psicológica? Até a cura. Empreendedorismo? Despertam ali essa e as demais vocações. Aprendizado de tecnologia? Com prioridade absoluta. Esportes? Sem faltar um. Cultura? As variadas expressões. Finanças pessoais e familiares? Óbvio. Resumindo, a Esplanada dos Ministérios completa deveria injetar recursos nos colégios em tempo integral.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou há pouco seu relatório com visão geral da Educação no mundo (Education at a Glance) com dados referentes a 2022. Novamente, o Brasil passou vergonha: 36% da população de 15 a 24 anos não estuda nem trabalha, o segundo pior resultado dos países pesquisados. O Ministério do Trabalho e Emprego informa que 5,2 milhões, ou 55% dos 9,4 milhões de brasileiros de 14 a 24 anos, estão desempregados. A canção de Brown e Valente pede ao jovem após rogar para que não desista:
“Não abandone você mesmo”.
Abandonado ele está, não por si, sim pelos que têm mais com que se ocupar, mudando de partido, renovando o diretório não sei de onde, debatendo bobagens, arrumando uma boca pro companheiro, liberando unzinho pra não sei quem, de olho na pasta que vai vagar, na bolsa que vai tungar, na balsa que vai devagar no rio sem ponte amparado pelo PAC e pelo PIX. Desamparado historicamente está, apesar da luz acesa no memorável 31 de julho de 2023, o que almeja crescer, subir na vida. Articulemos com os parlamentares para que destinem à Pasta de Camilo emendas carimbadíssimas ao ensino em tempo integral. E cantemos com Brown e Lexa cheios de esperança aos jovens que estão quase sem:
“O mundo parou
Mas ninguém vai te parar
Uma certeza tenho
Quem não parar vai chegar lá”.