Liberou? Brasil vira maconhódromo

Demóstenes Torres

Turistas e moradores chegam à Broadway e encontram em cartaz por toda a região um espetáculo dantesco, o domínio das drogas sobre a capital do mundo. A Nova York de Woody Allen virou cenário de filme de zumbi. Reclama-se nas megalópoles do ar poluído por veículos, mas o que tomou conta do ar na Times Square foi a fumaça de maconha – não demora e vai escurecer até o painel luminoso que anfitriona 40 milhões de turistas por ano, seis vezes mais que o Brasil inteirinho. A cada mês, em meia dúzia de vias, 1 bilhão de dólares no comércio, 1 bilhão de reais só nos 40 teatros. Portanto, um império sob ameaça.
No ano passado, o Estado de Nova York liberou a droga para recreação. Neste 2023, a cidade xará está instalando máquinas como os caixas eletrônicos para usuário sacar o kit completo de queimar pedra de crack, outro para cheirar cocaína. Não podia dar certo. E não deu. Após a peça com ótimos artistas e autores, o que se vê é o exército de viciados perseguindo pedestres pelas ruas. Quem não coloca 1 dólar no copo plástico estendido à sua frente recebe a companhia incômoda ao restaurante ou aonde quer que passe. Ausente a internação compulsória, presente a esmola compulsória.
A potência nº 1 do planeta fornece a experiência em que logo o Brasil vai entrar. Falharam todas as iniciativas de combate, então, vamos nos aliar à Cannabis sativa lineu, dentro do princípio extraído do brocardo constitucional “Se não consegue vencer o inimigo, una-se a ele” – a cláusula pétrea é a do crack. Aliás, viu a cracolândia em São Paulo? Breve na rua da sua casa, se é que está sem. Quem nos dera se o problema fosse apenas nos Estados Unidos ou nas metrópoles… Lugarejos com menos de mil casas têm numa delas uma boca de fumo. Pra que agir cirurgicamente em 1 imóvel se eu posso empestear todos os demais? A resposta estaria em políticas públicas, pois para tudo que não presta implanta-se uma política pública que presta menos.
Em NY, a tal política pública é tão dadivosa que atrai consumidor de tudo quanto é canto. Estão a seu dispor hotel, refeições, serviço médico e R$ 6 mil por mês. No fim do Século XX, o então prefeito Rudolph Giuliani tirou as benesses. Deu errado. Voltaram. Novo fiasco. Na capital paulista, já se tentou bastante e o fracasso é absoluto. Vancouver, uma joia do urbanismo canadense, fornece inclusive heroína. Consequência: também está difícil percorrer suas belíssimas avenidas. Rivalizava com Nova York nas atrações, agora igualmente no infortúnio.
Há 4 anos (10.jul.2019), escrevi que só existem duas alternativas para enfrentar essa pandemia no Brasil:
1) “Endurecer o combate ao tráfico com ações de fronteiras, inteligência, aumento de penas e dificuldades para progressão de regime”; ou
2) “Liberar, como se estuda no resto do mundo todo, o consumo de droga, não só de maconha”.
Na falta de competência e coragem para aplicar a primeira providência, a classe política terceirizou a segunda para quem dispões das duas, o Judiciário. Esse roteiro foi encenado em Nova York, Vancouver e no vizinho Uruguai, que há 10 anos legalizou a erva venenosa. O IRCCA (Instituto de Regulação e Controle de Cannabis), de Montevidéu, divulgou pesquisa informando que 73% dos usuários compram maconha de traficantes, não nas lojas oficiais. Diante do malogro uruguaio, o jeito é tocar um tango argentino.
Caminhar pelo centro de São Paulo, das joias arquitetônicas aqui citadas ou de qualquer outro lugar habitado do planeta é um desfile diante do impasse. Se nada funciona, aparece alguém do governo com alguma iniciativa bancada pelos pagadores de tributos, elas mesmas, as malfadadas políticas públicas. Nos EUA, 25% dos recursos antidrogas estão sendo investidos em conscientização, eficácia prevista para quem está sadio, inútil àqueles dominados pelo mal do século – as doenças mentais, de que a dependência de drogas faz parte.
A propaganda contra o tabagismo foi eficiente por ter caído na graça do povo. Fumar saiu de moda. Ou seja, o risco de contrair câncer afasta menos que não ser aceito no grupo. Outra receita é dizer “não” e não é não. Outra, melhor ainda, é evitar o máximo possível o acesso às drogas. Num erro das notórias políticas públicas, as Forças Armadas permanecem fora do conflito pelo entendimento enviesado de que a movimentação de erva e pó do exterior para o Brasil não é questão de segurança nacional.
Seria diferente se Exército, Marinha, Aeronáutica e as Polícias Federal e Rodoviária Federal trancassem as fronteiras. Quando a droga está dentro do país, resta às forças estaduais o inglório exercício de enxugar ponta de iceberg. É impossível crer na inteligência de um sistema que prefere catar poucos gramas nas mãos de noiados a apreender toneladas atravessando de Bolívia, Colômbia, Paraguai e Peru.
Se o vício destrói quem fuma e cheira, junto vão a família, a economia, a paz e o país. Que fazer? Sugeri duas soluções, os ministérios preferiram a inércia, vou acrescentar um problema: o Orçamento da União simplesmente não dá conta. Calcule, então, o das unidades federativas. Prefeituras e Estados fingem que não é assunto deles a legião de pedintes a cercar pessoas e carros em busca de dinheiro para manter a dependência química. O Brasil, com um poder decidindo e dois concordando, deve liberar a maconha. Alguém tinha de fazer alguma coisa. Finalmente, felizmente, está fazendo. Infelizmente, Nova York é aqui apenas nos dramas exibidos do lado de fora de seus teatros.

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Alan Ribeiro
Alan Ribeiro

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