Caiado quer Estados em discussões sobre PEC da Transição

Ronaldo Caiado: “Já acabou a eleição, é hora de distensionar. Vamos dar continuidade ao que o povo nos credenciou” – Foto: Jornal Valor

Entrevista – Reeleito, governador diz que manterá relação republicana com Lula, de quem é adversário histórico.

Andrea Jubé – de Brasília

O governador reeleito de Goiás e vice-presidente do União Brasil, Ronaldo Caiado, questionou em entrevista ao Valor a falta de tratamento igualitário em relação aos governadores e aos prefeitos nas discussões em curso sobre a PEC da Transição. Ele argumenta que deveria haver reciprocidade na prerrogativa fiscal a ser concedida ao governo federal.

“A União pode tudo, pode jogar no ombro do governador a gasolina mais baixa e surfar nao nda, pode explodir o teto em R$ 170 bilhões, mas se eu fizer aqui no Estado tomo R$ 2 bilhões de multa”, reclamou. “Ou existe coerência nas ações do Congresso, ou eles estarão descumprindo a função deles, porque não são representantes do governo federal, são representantes dos Estados e da população”, completou.

Caiado afirmou que os Estados foram os mais penalizados nas medidas legislativas que viabilizaram a queda dos preços dos combustíveis e da energia elétrica. Em julho, o Congresso aprovou projeto de lei complementar que fixou um teto para as alíquotas do ICMS estadual, levando à perda de arrecadação dos governadores e prefeitos. O prejuízo estimado para Goiás em 2023 é de R$ 6 bilhões.

Em contraponto, no primeiro ano da pandemia, a União transferiu R$ 114,8 bilhões aos Estados para gastos com o enfrentamento da covid-19.

O governador disse que apresentou ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (AP)- seu correligionário no União Brasil – a demanda de reciprocidade da exclusão de despesas do teto fiscal a governadores e a prefeitos. Alcolumbre deverá relatar a PEC da Transição no Senado.

O mandatário goiano acrescentou que também levará essa demanda à reunião dos governadores com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tratar das perdas com o ICMS, que está programada para 7 de dezembro.

Para compensar parcialmente as perdas com o ICMS, Caiado aprovou na semana passada a cobrança de uma contribuição sobre produtores rurais, beneficiados com isenções fiscais. O tributo financiará um fundo de infraestrutura para permitir a continuidade de obras de pontes e rodovias.

Adversário histórico do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Caiado afirmou que manterá uma relação republicana com o futuro chefe do Executivo federal. “Não dá mais para tratar em 2023 dessa discussão medieval: se está do mesmo lado, está tudo bem; se não está do lado, será retaliado. Não é esse mais o pensamento”, ponderou.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: O que o senhor e os outros governadores vão reivindicar na reunião com ministros do STF sobre o ICMS que deve acontecer em dezembro?

Ronaldo Caiado: Fomos desfalcados no meio do ano com uma baixa na tributação de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações. Uma aberração constitucional. Precisamos ter segurança jurídica. Não temos mais como avaliar a capacidade do Estado poder investir diante das medidas intempestivas que são tomadas, inconstitucionais, agredindo o orçamento que já havia sido aprovado.

Valor: Qual foi a perda de arrecadação com o ICMS em Goiás?

Caiado: Nos últimos três meses [agosto, setembro e outubro], a perda média [de arrecadação] foi de R$ 450 milhões por mês. A [alíquota] do etanol era 25%, veio pra 14%; a do diesel era 16%, foi pra 14%; a da energia elétrica era 25% veio pra 17%; a das comunicações era 29%, veio pra 17%. Nossa previsão para 2023 é de quase R$ 6 bilhões em perdas, mais do que todo o investimento em saúde. E 25%[da receita do ICMS] é transferido para os municípios, eles também serão duramente afetados.

Valor: Alguns Estados conseguiram liminares no STF para compensar as perdas com o ICMS. Como ficou a situação de Goiás?

Caiado: Ninguém aguenta viver com liminar, eu sofri [com liminares] até fazer o regime de recuperação fiscal [em dezembro de 2021]. Nós precisamos é de segurança jurídica. Quem vai repor as minhas perdas, eu vou receber R$ 6 bilhões de quem? Pela primeira vez o orçamento do Estado foi rompido no meio do ano, e tiraram dele as fontes de arrecadação. Isso pelo apoio eleitoral, pelo medo da oscilação do preço do combustível.

Valor: O que o governo federal deveria ter feito?

Caiado: Teria que criar mecanismos que possam regular [o preço dos combustíveis], e não repassar isso aos governadores. Nós sempre tivemos aumento de arrecadação, e de repente passamos para o negativo. Não tem como repor aquilo que planejamos de gastos no orçamento.

Valor: O imposto sobre o agronegócio que o senhor conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa compensará parte das perdas de Goiás com o ICMS?

Caiado: Não é um imposto, é uma contribuição, e ela não é obrigatória, é facultativa. Os produtores que quiserem abrir mão dos incentivos fiscais que recebem não precisarão pagá-la.

Valor: Qual será o destino desses recursos?

Caiado: Vão para um fundo de investimento ligado à Secretaria de Infraestrutura, dentro de um programa de pavimentação de rodovias e pontes em Goiás. A contribuição retorna para o setor: quando eu asfalto uma rodovia, eu valorizo a propriedade rural do cidadão. Ele tem um benefício direto porque o custo de produção passa a ser menor. Ao invés de ele ter dificuldade de acesso com atoleiros, ele passa a ter acesso de qualidade para plantar e colher.

Valor: Como os produtores terão certeza da correta destinação desses recursos?

Caiado: Tem uma comissão que presta contas de 30 em 30 dias dos gastos nas rodovias e pontes que estão sendo construídos.

Valor: Houve resistência do segmento a essa nova cobrança. Um grupo de produtores invadiu o plenário da Assembléia Legislativa no dia da votação. Isso não prejudica sua popularidade no começo do novo mandato?

Caiado: O que ocorreu não foi uma reação do produtor rural goiano. Aqueles [invasores] são representantes das grandes “tradings”. Como tem a Lei Kandir, eles não deixam nada em Goiás porque são isentos [de impostos]. Eles compram o produto aqui, não abrem uma vaga de emprego, destroem nossas rodovias com carretas superlotadas, e vão embora. Isso não pode transmitir o que representa o produtor rural de Goiás, aquela cena [de invasão] não reflete a imagem do nosso produtor.

Valor: Não tinha outra alternativa a essa contribuição?

Caiado: O Estado não consegue dar continuidade a essas obras por causa da perda substantiva na arrecadação. Não posso direcionar minha arrecadação para construir rodovia, enquanto não tenho dinheiro para atender saúde, educação e os programas sociais.

Valor: O senhor fez oposição assertiva ao presidente eleito Lula no passado quando estava no Congresso. Como será sua relação com ele à frente do Palácio do Planalto?

Caiado: Quem estará falando serão duas pessoas, onde uma é o presidente da República e a outra é o governador de Estado. O Ronaldo Caiado representa o Estado e cumprirá toda a liturgia do cargo de governador de Goiás. Eu não estarei discutindo ideologia, vou discutir o que é parcela de Goiás em cada uma das áreas, com conhecimento de causa e com propostas compatíveis. Quando fui eleito em 2018, tive o apoio de 14 prefeitos. Agora fui eleito com 234 prefeitos de 246 municípios, e nunca agi como governador para apoiar somente os 14 iniciais. Ali não cabe a ingerência do governador na opinião da população, tenho que respeitar o resultado das urnas.

Valor: Qual será a posição do União Brasil em relação ao futuro governo Lula?

Caiado: Tem que guardar posição de independência, tem que se manter dentro daquilo que o qualifique como um partido composto por homens e mulheres preparados, que deram bom exemplo à frente de mandatos. É um partido que tem peso, consistência política, não oscila de acordo com o vento. Não precisa dessa corrida para abraçar o governo, ou radicalizar. O momento é de buscar independência e ponderação porque a política está por demais polarizada.

Valor: Essa polarização não arrefeceu após a eleição. Há protestos na frente de quartéis, bloqueios em rodovias. Qual a solução para isso?

Caiado: Se não tivermos muita habilidade, podemos expor o Brasil a uma guerra de secessão, aquilo que os americanos viviam [no século XIX]: o sul contra o norte, quem defendia, ou não, a abolição, e aí começaram a se matar uns aos outros. O Brasil está chegando num clima muito hostil, as pessoas têm que saber que na democracia, não é a vontade de um ou outro que tem que prevalecer. Ou se respeita as instituições, ou teremos um processo de desobediência civil.

Valor: Qual deve ser a postura do presidente e dos governadores eleitos neste cenário de radicalização?

Caiado: O governo agora tem que mostrar transparência e ações concretas para chegar ao cidadão. É hora de termos bom senso, cada um defende suas teses, mas dentro do equilíbrio, dentro do racional, dentro do argumento e da capacidade de convencimento.

Valor: Mas uma parcela dos eleitores do presidente Jair Bolsonaro não aceita o resultado do pleito e não quer encerrar os protestos.

Caiado: Já acabou a eleição, é hora de distensionar. Vamos dar continuidade ao que o povo nos credenciou. As pessoas precisam entender que o momento eleitoral finalizou, não dá pra ficar toda hora ressuscitando esse assunto. A pauta é o cidadão que está sem comer, sem emprego, sem qualificação para ter uma profissão.

“Já acabou a eleição, é hora de distensionar. Vamos dar continuidade ao que o povo nos credenciou”

Valor: O senhor é a favor da PEC da Transição que o governo Lula quer aprovar?

Caiado: A pergunta que eu fiz [às lideranças do União Brasil no Congresso] foi uma só: o governo federal pode tirar arrecadação dos governadores, pode romper o teto fiscal. E os Estados? Se eu romper o teto aqui, vou tomar uma multa de mais de R$ 2bilhões. Então, o que é isso,que mordomia é essa?

Valor: O que o senhor defendeu sobre esse assunto junto ao seu partido?

Caiado: O que eu espero dos senadores e dos deputados é que eles enxerguem que aquilo que eles praticaram em julho [ao impor um teto ao ICMS], sob pressão da União, onde governadores foram demonizados como responsáveis pelo aumento de combustíveis e de energia, é que agora voltem ao bom senso. Como eles são representantes dos Estados e da população, que eles tenham equilíbrio, e possam dar segurança jurídica e viabilidade aos Estados.

Valor: O senhor pleiteia reciprocidade aos Estados na excepcionalização de gastos do teto fiscal?

Caiado: Nós somos os mais penalizados, fomos nós que pagamos a conta. O que se espera agora é um tratamento igualitário. Não pode ser um tratamento que seja diferente para Estados e municípios, e seja exceção para a União.

Valor: Essa proposta de tratamento igualitário para Estados e municípios entrará no relatório do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que deverá ser o relator da PEC na CCJ?

Caiado: Como o relator deverá ser o senador Davi Alcolumbre, que é do nosso partido, é óbvio que, nessa condição, na primeira discussão que tivemos sobre esse assunto, eu pautei essa questão. E também vou levar essa posição à reunião dos governadores com o Supremo.

Valor: Goiás aderiu ao regime de recuperação fiscal do governo federal no final de 2021. O que mudou depois disso nas contas do Estado?

Caiado: Nós passamos a fazer investimentos, asfaltar rodovias, regionalizar a saúde, reformar escolas. A evasão escolar no ensino médio era alta e agora tem [a bolsa de] R$ 110 para cada aluno. Temos o programa de auxílio moradia, com a construção de casas a custo zero no interior. Foi uma transformação no Estado em relação a tudo, Goiás era referência em escândalos de corrupção e nós fomos o governo contra o qual não teve nenhuma denúncia. Estamos em dia com os precatórios, nunca atrasamos a folha de pagamento depois que a regularizamos a partir de agosto de 2019.

 

 

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Alan Ribeiro
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