ENTREVISTA: Ronaldo Caiado vai ampliar rede de proteção social e deve disputar Presidência em 2026

Governador Ronaldo Caiado: “Ganhar ou perder uma eleição não deve deixar sequela” | Fotos: Fernando Leite / Jornal Opção

Com caixa tranquilo após dívida renegociada, governador reeleito revela principais metas, entre elas a de priorizar regiões menos desenvolvidas do Estado 

(ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL OPÇÃO)

Ronaldo Caiado recebeu a equipe do Jornal Opção para uma entrevista em seu gabinete no Palácio das Esmeraldas com o semblante sereno que só a missão cumprida pode ensejar. Reeleito ainda em primeiro turno, o governador e referência nacional de seu partido, o União Brasil, tem agora ainda mais tempo para projetar sua nova equipe, que, tudo leva a crer, será anunciada sem pressa, em ritmo de conta-gotas.

Por outro lado, para ele o novo mandato já começou no dia seguinte à vitória nas urnas. Caiado já faz projeções para matérias na Assembleia Legislativa – como a aprovação da Região Metropolitana de Goiás no Entorno do Distrito Federal – e tem na educação uma de suas metas mais ousadas: quer fazer o ensino no Estado “passar para outro nível” após seus oito anos de gestão. Para isso e para tudo, tem um trunfo que conseguiu com muita luta e articulação: a entrada no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que vai aliviar o peso da dívida com o governo federal e abre espaço para investimentos necessários, com “musculatura” do próprio caixa.

Nesta entrevista, o governador explica os motivos para apoiar Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições presidenciais, afirma que quer reduzir a desigualdade de desenvolvimento das diversas regiões do Estado e admite que ainda sonha voltar a disputar a cadeira do Palácio do Planalto – para tanto, espera ares favoráveis em 2026. Um orgulho fica estampado no rosto: o de ter devolvido a autoestima aos goianos. E dá um exemplo: “O dono de uma casa de carnes me disse que recebia 11 revólveres na cara por ano e hoje não tem mais isso. É gratificante”.

Euler de França Belém – Ao parabenizá-lo pela reeleição ainda em primeiro turno, é inevitável a pergunta: que avaliação o sr. faz desta campanha?

Foi uma campanha relativamente curta, por esse novo cronograma eleitoral, mas também foi uma eleição em que tivemos oportunidade de repassar aos municípios as ações do governo que ficaram quase sem divulgação diante desse período de pandemia e de todas as condições que a gente sabe. Muita gente não sabia de nossos programas sociais, das correções de rumo que estávamos fazendo na educação, na saúde e na segurança pública – essa área, na capital, era mais palpável, as pessoas começaram a sentir essa melhora de uma forma mais rápida. Mas outras áreas e temas – como habitação, cultura e regionalização da saúde – não tiveram um conhecimento que chegasse além das regiões que estavam sendo beneficiadas diretamente. Fizemos isso por meio da campanha e eu, graças a Deus, só tenho a agradecer. Agora, é a responsabilidade ainda maior para enfrentarmos esta segunda etapa de nossa gestão. Posso dizer que desde o dia 3 de outubro já se iniciou o segundo mandato e já trabalho com esse olhar.

Teremos condições muito melhores agora do que quando recebi o Estado

Patrícia Moraes Machado – O sr. iniciou seu primeiro mandato assumindo um governo em séria crise financeira, por conta das gestões anteriores, e logo buscou o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Em seguida, veio a pandemia. Mesmo com enfretamento dessas importantes crises, o senhor conseguiu promover significativas realizações em nosso Estado, o que resultou na reeleição no primeiro turno pela primeira vez na história da politica de Goiás. Agora, para o segundo mandato, já se espera um nova crise econômica no país e em todo mundo. Nosso Estado está pronto para encarar mais essa batalha e conseguir colocar em prática o seu plano de governo?

Sem dúvida, teremos agora condições muito melhores das que eu recebi o Estado. Não existe nada mais constrangedor do que, no exercício do mandato, não ter como sequer pagar servidor. É algo que tira qualquer capacidade de pensar em outras coisas. Isso foi um período muito difícil para mim. Eu tinha noção clara de que o governo anterior se apoderava de outras receitas, que não eram dele, e que deveriam ser repassadas aos municípios – e até a outros Poderes e aos servidores. Por exemplo, o crédito consignado: o cidadão tinha a parcela descontada, mas o governo retinha, não pagava e o servidor ia parar no Serasa. Outro exemplo, existia um fundo para os advogados dativos, mas o gestor se apoderava do dinheiro e não os pagava. Da mesma forma, o repasse para transporte e merenda escolar, a contrapartida da saúde e outras várias situações como essas citadas. Tudo isso era acumulado, atrasava-se com todos esses segmentos para ver se conseguia pagar em dia a folha. 

Euler de França Belém – Qual a solução que o sr. encontrou para isso?

Resolvi, dentro do que considero um princípio fundamental, que é o governante respeitar e cumprir as regras de sua função, que não iria atrasar hora alguma o pagamento. Em meu governo, desde o primeiro dia, não deixei de repassar um centavo, cumpri todas as regras constitucionais. Claro, tiveram momentos em que fui parcelando o atrasado e quitando o que estava em dia. Tivemos até de pegar dinheiro emprestado do Tribunal de Justiça (TJ-GO), que me passou cerca de R$ 140 milhões, para eu dar conta de quitar, no mês de agosto, 100% do que estava atrasado. Em dezembro, mais precisamente no dia 18, quitei 100% do empréstimo do TJ.

Em outros governos anteciparam quase R$ 1 bilhão em ICMS das empresas para pagamento dos compromissos do Estado. Acabei de pagá-las agora. As dificuldades foram enormes. Por outro lado, consegui colocar o Estado no Regime de Recuperação Fiscal, ação muito criticada pela oposição. E o objetivo dessa crítica era bem claro: me levar para um quadro de ingovernabilidade. Eu estava totalmente amarrado diante do que estava arrecadando, porque tudo ia para cumprir esse pagamento, R$ 250 milhões por mês de uma dívida contraída anteriormente. Minha capacidade de investimento era zero – pior, todo mês fechávamos no negativo. Como iria governar?

Então, esses quase R$ 3 bilhões por ano – já que eram R$ 250 milhões mensais – vinham de dívidas que foram acumuladas, com contratos feitos com base no dólar, sem hedge [proteção]. Empréstimos como um, por exemplo, que foi feito pegando R$ 1 bilhão e, mesmo já tendo pago R$ 1,5 bilhão, ainda restava uma dívida de mais de R$ 2 bilhões. Também contratos com taxas altíssimas, como foi o da Celg, em que o governo transferiu para o Tesouro uma dívida de mais de R$ 5,5 bilhões com a Caixa Econômica Federal, com taxas exorbitantes de juros e reajustes. Além do mais, em 2018, para tentar ganhar as eleições, descumpriram o teto, o que causou uma multa de R$ 1 bilhão em relação a uma renegociação que haviam feito em 2016.

Eu me dediquei em tempo integral ao RRF. Ou eu atravessava conseguindo a renegociação da dívida ou ficaria todo mês na dependência de uma decisão do STF 

Esse era o cenário. Eu precisava ter uma noção muito clara de onde eu poderia atravessar todo esse tsunami e dar um novo norte para o Estado de Goiás. Foi aí que eu me dediquei em tempo integral ao RRF. Ou eu atravessava conseguindo a renegociação da dívida ou ficaria todo mês na dependência de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para saber o que teria de pagar todo mês, se teria como repassar salário dos servidores ou o dinheiro aos municípios. Graças a Deus, eu vivi uma vida no Congresso Nacional e em Brasília, que me ajudou a ir mostrando também ao Ministério da Economia, ao Tesouro Nacional, à Dívida Ativa da União, à Advocacia-Geral da União (AGU), as dificuldades de governabilidade do Estado caso não conseguisse renegociar essa dívida e ter um prazo maior para quitar as parcelas. Naquele momento, a gente enfrentava Estados poderosos: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, que já tinha pactuado o RRF, mas que não estavam cumprindo o pagamento das parcelas e, de certa maneira, desmoralizando essa forma de renegociação. Com isso, a União estava retraída, desconfiando em reassumir a dívida de um Estado, sem ter certeza de que sua gestão faria ou não a boa prática.

Elder Dias – E como o sr. conseguiu fazer o convencimento das instituições em Brasília sobre a importância dessa demanda para Goiás?

Dentro dessa situação, a experiência que eu tenho como político em Brasília foi importante. Ao mesmo tempo, também foi fundamental minha convivência com meus colegas e pares no Congresso Nacional, bem como também no Supremo. Conseguimos, então, antes dos outros, viabilizar aquilo que era tido como impossível.

Euler de França Belém – E o que foi, de fato, repactuado com o RRF?

Modificamos algumas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Não tivemos de privatizar a Saneago, até porque, em decorrência da venda da Celg, criou-se um clima em Goiás de que nada seria pior do que outra privatização diante do colapso da Enel. Ao mesmo tempo, eu precisava de fazer tudo em tempo rápido, porque Minas Gerais e Rio Grande do Sul já tinham essa matéria no pleno do STF. No nosso caso, não: Goiás vivia da decisão monocrática do ministro [Gilmar Mendes], que me concedia liminares a conta-gotas para dizer se eu teria condições de pagar ou não esses R$ 250 milhões por mês. Isso exigiu de mim um esforço maior e, quando eu senti a dificuldade junto à área econômica do governo, nós demos conta de trabalhar com o Supremo Tribunal Federal, que assumiu a condicionante de ser o balizador da renegociação. Foi aí então que avançamos e construímos o RRF para Goiás. Em vez de pagar R$ 3 bilhões por ano, em 2023 vamos pagar R$ 480 milhões. Neste ano, pagamos R$ 100 milhões. Ou seja, passamos a ter estrutura para o Estado arrecadar mais, investir mais e cumprir os programas sociais nas diversas áreas. Foi esse o grande desafio até poder assinar. Mas, no momento em que o Supremo promoveu as audiências envolvendo o governo de Goiás, Ministério da Economia, AGU e Tesouro Nacional, já nos deu uma tranquilidade de que havíamos cumprido todas as etapas para entrar no RRF.

A partir daí, houve uma atuação conjunta do Ministério da Economia, como também do Congresso, modificando critérios do RRF, para que não fossem tão punitivos e nos dessem mais flexibilização. Ao mesmo tempo, buscamos todos os Poderes em Goiás. É o grande exemplo que dou aos mais jovens e aos que estão começando no governo agora: nunca tomei uma decisão importante, desde que aqui cheguei, em que eu não chamasse o presidente da Assembleia Legislativa, o presidente do TJ-GO, o procurador-geral do Ministério Público (MPGO), a Defensoria Pública, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). A gente se reunia e eu perguntava: “Como é que vamos resolver esse assunto?” Porque não era um assunto apenas meu. Tenho responsabilidade com o duodécimo, mas todos temos responsabilidade com os servidores. Foi algo inédito, talvez, na história de Goiás, em que conseguimos com que os Poderes, naquele momento, abrissem mão de 20% do duodécimo para que pudéssemos organizar o Estado, pagar dívidas em situações mais graves, mais emergenciais. Isso nunca tinha existido aqui.

Levei todos os presidentes de Poderes e de órgãos independentes em Goiás ao Ministério da Economia, para discutir as ações do quadro fiscal. Então, eu dizia “Paulo Guedes [ministro da Economia], você não vai ouvir só do governador”. Da mesma forma, fazia nas reuniões com o Tesouro Nacional, ou com a AGU. Essas ações foram mostrando que não era um projeto pessoal, mas sim para salvar a condição de governabilidade do Estado, com pessoas que tinham uma história de vida, de responsabilidade – como, modéstia à parte, sempre tive diante de meus pares. Dessa forma, consegui o respaldo necessário para que as coisas ocorressem dessa maneira. Caiado-entrevista-serio-940x627

Nossas divergências foram em pontos de vista de protocolos e condutas em relação à pandemia. Nem eu mudei minha posição nesse tema, nem ele mudou a dele [Bolsonaro]

Euler de França Belém – Falando da disputa à Presidência, seu apoio a Jair Bolsonaro (PL) à reeleição é ideológico? Ou é por observar que a economia está voltando a crescer?

Tenho de primeiramente representar o sentimento de meu povo – e ele foi, de longe, o mais votado no Estado de Goiás. Em segundo lugar, nossas divergências foram em pontos de vista de protocolos e condutas em relação à pandemia. Nem eu mudei minha posição nesse tema, nem ele mudou a dele. Porém, é preciso considerar que houve ajuda à logística durante a pandemia para Goiás. Não posso negar também que os convênios com a educação e a saúde me deram condições de alavancar a regionalização da saúde e a infraestrutura das escolas. Da mesma forma, a Ferrovia Norte-Sul que é fundamental para Goiás. Nunca existiu, passou a existir neste governo, é uma realidade, privatizada e com investimentos. Carajás, para conseguir nova concessão de 30 anos, tinha de fazer mil quilômetros de ferrovias. Queriam continuar da Bahia até o Tocantins, ou para Minas Gerais e atravessando o Espírito Santo. Só que pegou de Mara Rosa até Água Boa, gerando um eixo de desenvolvimento para Goiás. Essa área logística traz uma infraestrutura fundamental para o Estado.

Patrícia Moraes Machado – O sr. tem algum receio em uma eventual eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)?

Zero.

Patrícia Moraes Machado – Como parceiros políticos para os próximos quatro anos, como sr. avalia Bolsonaro e Lula?

Essa parceria vai se dar no ponto de vista administrativo. Independentemente de quem for eleito, o presidente da República terá de reconhecer Goiás como Estado e eu como governador. Lembrando, ainda, que ofertamos aos cofres públicos da União muito mais do que retornam para nós. Como tal, vou sempre fazer valer esse peso de Goiás nas decisões políticas, até porque venho de seis mandatos no Congresso, com ligações sólidas por lá. Além de tudo isso, hoje temos um partido forte. Não se governa apenas com a Presidência.

Euler de França Belém – O sr. sonha ainda em ser presidente da República?

Nunca deixei de sonhar, nunca neguei isso. Mas, sempre depois que dei meu primeiro passo – como disse meu velho pai, totalmente errado e fora de hora, sem nenhum fio de cabelo branco –, pelo menos aprendi e fui gradualmente caminhando. Vamos agora para o segundo mandato, que é nosso objetivo. Depois vemos essa discussão. Mas, é sim uma discussão que me encanta.

Para ter sobrevivência política, é preciso ter espírito público

Euler de França Belém – Algo que me surpreendeu no sr. – e falo francamente – é que eu achava que seria um governante radical, mas, pelo contrário, foi moderado, agregador. Enquanto recuperava o Estado e procurava investir, o sr. foi remontando a frente política de 2018. Dois aspectos ressaltaram em especial: um foi a questão social, que não é populista e não só assistencial; e outro foi esse lado agregador.

Patrícia Moraes Machado – Diante dessa análise, como o sr. vê a transição política para as novas gerações, na qual com certeza será um dos principais responsáveis? Seu vice-governador eleito [Daniel Vilela (MDB)] é uma nova liderança. Como o sr. está avaliando essa nova geração de políticos?

A política tem oscilado muito nos últimos tempos, com corrupção e mau uso do cargo público. Para dar o exemplo, temos de mostrar que, para ter sobrevivência política, é preciso ter espírito público. Se tem isso, vamos trabalhar; se não tem espírito público, melhor fazer outra coisa. Isso a gente precisa identificar nas pessoas. Quando fui buscar a parceria com Daniel, eu tive esse objetivo. Ele já tem um DNA favorável, Maguito [Vilela, ex-governador de 1995 a 1998] sempre foi um homem muito humilde e de construir fortes alianças. A partir daí, vem também uma cultura que acho que deva ser continuada em Goiás. Não adianta um esforço monumental para depois passar por um processo de desmonte da máquina pública que você mesmo organizou, transformando os órgãos em capitanias hereditárias, com cada um tomando conta de alguma coisa, do Detran, da Saúde, da Educação, da Saneago, aquela coisa promíscua, em que é cada um por si. Isso frustra qualquer um.

Patrícia Moraes Machado – E como o sr. está avaliando essa nova geração?

Tem gente para todo tipo (risos). Mas cabe a nós fazermos as boas escolhas. A idade me dá um pouco essa capacidade de analisar esse quadro, com moderação.

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Se dentro do processo político-eleitoral de 2026 tivermos condições para uma disputa nacional, isso obviamente se coloca.

Euler de França Belém – O sr. deixa o cargo para disputar ou o Senado ou a Presidência e deixa Daniel assumir o governo?

Vou trabalhar fortemente pelo meu governo, antes de tudo. Eu já passei pelo Senado e vou avaliar a situação. Agora, se dentro do processo político-eleitoral de 2026 for visto que eu e meu partido tivermos essas condições para uma disputa nacional, isso obviamente se coloca.

Euler de França Belém – O sr. abrirá espaço para Daniel assumir o governo? Porque há pessoas que comentam que o sr. possa ficar os quatro anos completos.

Às vezes as pessoas pensam que devo encerrar a vida pública, mas, se eu estiver bem de saúde, por que deixar essa vida de que gosto? Tenho dificuldade de imaginar que vou me aposentar, porque gosto muito disso.

Euler de França Belém – Todo governador fala que não vai interferir na eleição da Assembleia Legislativa, mas faz parte da política articular esse processo. Como é a posição do sr. nessa disputa do Legislativo?

É uma posição das mais tranquilas, já que eu tinha 10 deputados aliados quando cheguei ao governo; agora, temos 29 na base. Então, tranquilamente, daí sairá um candidato a presidente.

Euler de França Belém – Qual são os critérios que o sr. vai utilizar para a reforma de seu secretariado?

É uma prerrogativa que puxo para mim. 

Patrícia Moraes Machado – O sr. foi criticado por trazer secretários “estrangeiros”, de outros Estados, vai mudar a estratégia de escolha?

Não penso nisso, acho uma bobagem, um preconceito. Secretário meu precisa é ter eficiência. Se não der conta, eu demito, não tenho protegido. Então, se entrar no governo, já sabe: não tem “paternidade”. É preciso trabalhar. Não fico pipocando e tenho uma tranquilidade: se eu errar na escolha, sou eu quem vai sofrer as consequências.

Euler de França Belém – O sr. revelou que Adriano Rocha Lima fará parte de seu próximo secretariado. Quem será o próximo nome a ser anunciado?

Segunda-feira eu vou confirmar Pedro Sales.

Euler de França Belém – Para qual pasta?

Aí você está querendo demais (risos).

Na pandemia trouxeram momentos delicados. Cada um queria ser médico, parecendo época de Copa do Mundo, em que o Brasil tem 220 milhões de técnicos.

Euler de França Belém – Um momento crucial de seu governo foi a crise da pandemia. Como foi que o sr. determinou seu planejamento para enfrentar essa calamidade na saúde?

Busquei todos os que podiam nos ajudar, inclusive de todos os Poderes, também da Universidade Federal de Goiás (UFG). Passamos a ter ações conjuntas. Goiás mostrou sua receptividade no caso dos brasileiros que estavam em Wuhan [cidade chinesa em que surgiu o primeiro foco de casos de Covid-19]. Disse à Casa Militar da Presidência da República, quando fui procurado, que jamais deixaria de repatriar os brasileiros. Minha cidade, Anápolis, acolheu essas pessoas. Foi um gesto de solidariedade que mostrava que estávamos à disposição. 

As dificuldades da pandemia trouxeram momentos delicados. Cada um queria ser médico, parecendo época de Copa do Mundo, em que o Brasil tem 220 milhões de técnicos. Na pandemia, vimos essas distorções também. É muito comum ouvir dizer “ah, mas o Caiado foi muito duro”. Pois eu digo: não só fui muito duro como assumi essa posição. Eu, como governador do Estado e médico, tinha diante de mim um vírus que não se sabia quase nada, nem aqui nem no exterior. Quando eu falava com meus colegas que já estavam vivendo aquela situação, ninguém sabia que protocolo seguir exatamente.

Então, eu olhava para minha condição local, com 7,2 milhões de goianos. Havia somente três cidades com leitos de UTI públicos: Goiânia, Anápolis e Aparecida de Goiânia. Municípios em um raio de 50 quilômetros, enquanto Goiás tinha toda essa população espalhada por 246 municípios. Contaminação se dá por mobilidade. Se não se promove o isolamento social de forma mais dura, a disseminação do vírus é em uma curva exponencial. Era preciso segurar no começo. E, se você olhar nossa subida na curva, em 2020, foi em agosto, mais tarde, comparando a todos os Estados – a pandemia começou em fevereiro no Brasil e nosso decreto estadual foi em 13 de março. Quando chegou agosto, eu já tinha feito convênio com prefeituras, tinha transformado centros cirúrgicos em UTIs, tinha pulverizado ações em outros municípios, já tinha estadualizado o hospital de Itumbiara e o de Luziânia. Crescemos a rede em parceria com as prefeituras e assumindo alguns hospitais, transformando salas de centros cirúrgicos e salas vermelhas [de pré-urgência] em leitos de UTI. Com essas ações tivemos capacidade para receber pacientes. 

Imagine, se ocorresse em Goiás pessoas morrendo na porta do hospital, sem leito, sem assistência, sem ter onde ser atendido. Por isso, também, rapidamente vimos que a questão do oxigênio poderia ser problema e compramos antecipadamente usinas. Instalamos usinas de oxigênio porque sabíamos que os fornecedores poderiam não ter capacidade para atender a todos. Instalamos essas usinas em pontos estratégicos e cada uma pôde produzir o suficiente para assistir os municípios próximos. Tudo isso foi um aparato de guerra para que pudéssemos atender da melhor forma. Tenho hoje a consciência tranquila de que cumprimos, no momento mais delicado, o dever de não deixar o goiano desassistido nem negar a ele a condição de ter atendimento.

Elder Dias – E qual é a avaliação que o sr. faz deste momento pós-pandemia, em Goiás e no Brasil?

Estamos há um ano com o efeito da vacina aliviando o cenário para pensar o dia a dia. Depois de tanta superação, estamos forjados em um momento de muita determinação e de muita parceria. Construímos essa credibilidade a ponto de conseguir a reeleição em primeiro turno. Isso traduz um atestado da população de que estamos em um projeto positivo, no qual agora começa um segundo momento. Quero que Goiás seja referência. O primeiro mandato foi de assumir questões difíceis, mas sem jamais claudicar nem ir por um viés populista. Respeitamos sempre o dinheiro público e as pessoas viram que a arrecadação passou a ter uma capacidade maior. Houve uma multiplicação do dinheiro? Não, não é nada disso, apenas sua aplicação correta, que nos deu uma maior capacidade de atendimento por meio dele. Caiado-entrevista-direita-940x627

O compromisso maior que tenho é com as famílias mais pobres

Patrícia Moraes Machado – O que preocupa mais o sr. para seu próximo mandato?

Meu segundo governo, para mim, já se iniciou. E há muitas coisas sobre as quais a gente precisa refletir. As pessoas talvez discutam hoje mais o ponto de vista ideológico e não estou aqui fugindo dessa discussão. Porém, para mim, o grande desafio do Brasil é construir algo que acalme os sentimentos das pessoas. O que me preocupa hoje é que o cenário de acirramento político está tornando a convivência difícil. Noto o nível de estresse entre as pessoas, na população como um todo. Ganhar ou perder uma eleição não deve deixar sequela. Eu já ganhei e já perdi. Tem gente que bota a culpa de uma derrota nos outros. Eu sempre assumi minhas derrotas, nunca as repassei para a responsabilidade de outra pessoa.

Em Goiás, temos uma característica que não só geográfica, mas também humana, como dizia Iris [Rezende, ex-governador de Goiás]: este Estado foi construído com a convergência de todas as regiões do Brasil. E é uma grande verdade. Temos um Estado cosmopolita, para onde todo mundo vem e todo mundo é bem recebido, seja vindo do Sul, do Sudeste, do Norte, do Nordeste. Todos são bem acolhidos. O que me preocupa bastante, portanto, é quando um cidadão resolve que, se acontecer tal coisa, essa responsabilidade é do Nordeste. Ou, se acontecer a eleição de um outro, a responsabilidade é do Sul. É algo muito ruim para o País e isso está sendo realçado bastante. 

Euler de França Belém – Diante disso, o que o sr. pretende fazer a partir de agora, como governador?

Se, num primeiro momento, o respeito ao dinheiro público era nossa maior determinação, agora o compromisso maior que tenho é com as famílias mais pobres. Na capa da Folha de S.Paulo, em uma edição recente, saiu que apenas 2% das pessoas que nascem em famílias pobres têm perspectiva de vencer na vida. Meu objetivo, que está sendo construído desde o começo, é enfrentarmos esse ciclo da pobreza com inteligência. Como romper esse ciclo? Desde quando tive o mínimo de fôlego, estamos trabalhando nesse primeiro degrau, com uma ação social forte em conjunto com uma educação também muito forte. Temos tentado alavancar esses dois vetores com muita determinação. Estou sempre fiscalizando e avaliando as muitas áreas, que estão trabalhando de forma conjunta. Tudo isso para chegar ao cidadão que não tem perspectiva nenhuma, que não vai sair de sua cidade.

Onde fomos implantar nossos laboratórios de robótica? Em Cavalcante, em Sítio D’Abadia [municípios do Nordeste Goiano, região considerada a mais carente do Estado]. Colocamos escolas com laboratórios de informática, física, química, biologia, procuramos dar estímulo aos professores para que a linguagem digital chegasse às pessoas mais humildes, para que elas não se sentissem desarticuladas do ambiente de sua faixa etária. Isso tem sido uma preocupação real de minha parte.

Elder Dias – A questão assistencial, de ajuda aos mais pobres, vai mudar o foco?

Tenho usado a figura do Banco Central, em que há uma discussão muito acirrada, em que o lado social está virando um apêndice. Ora, nada mais importante do que cuidar da moeda, não pode ter inflação, tem de ter controle sobre ela, afinal, representa a credibilidade de um país perante o mundo. Mas também é necessário ter uma estrutura que seja responsável por tirar o cidadão de uma situação de vulnerabilidade, de pobreza ou de extrema pobreza. Hoje, estamos em um círculo vicioso em que o filho do pobre casa com a moça que é pobre e têm um filho pobre, depois um neto pobre. Não estamos conseguindo interromper esse processo, que está virando, cada vez mais, um universo de pessoas que são dependentes da estrutura de governo e sobre as quais o governo não tem uma ação que seja capaz de, pelo menos, iniciar algo que tenha consequência e continuidade. 

A educação vai passar para outro nível em Goiás

Patrícia Moraes Machado – Em relação à educação, quais são os planos para este segundo mandato?

Tenho direito a ter oito anos de mandato. Posso garantir que, na hora que eu terminar meu mandato, a geração que entrou comigo nas escolas estaduais e que vão chegar lá no fim do ensino médio vão chegar com outro padrão de educação. Dizem que caímos no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]. Tenho responsabilidade nisso. Primeiramente, parte da avaliação é pelas notas em matemática e português. Reconheço que todos nós no Brasil perdemos nesse quesito. Porém, há um segundo ponto: a quantidade de crianças que realmente passam de ano. Eu não admiti a chamada “matrícula automática”. Ou seja, quem tomou bomba tomou bomba. Vamos perder pontos no Ideb assim? Vamos, porque não adianta mascarar um processo pelo qual o cidadão não vai ter formação nenhuma lá na frente. Não adianta chegar ao ensino médio sendo analfabeto. São esses critérios que eu contestei. Se o aluno não foi bem, vai ter de repetir o ano. São condicionantes a que nos submetemos.

Outra questão: Goiás foi o Estado com maior número de crianças e jovens fazendo o Ideb. A gente poderia ter escolhido apenas 20%, dos colégios mais bem avaliados. Mas, pelo contrário, tivemos um dos índices mais altos do País, para que tivéssemos uma radiografia real de nossa condição.

Tenho levado esse assunto com muita seriedade. Tive esta semana uma reunião de mais de três horas com toda a equipe da Educação. Quando eu entrei no governo, Goiás tinha uma perda de quase 50% dos alunos do 9º ano do ensino fundamental para o 1º ano do ensino médio. Ele ia embora, procurar alguma coisa para fazer. Agora, esse aluno recebe 111 reais todo mês e a gente conseguiu inverter a curva. Hoje, a demanda é maior no ensino médio e aqueles que tinham deixado a sala de aula estão voltando.

No próximo ano, vamos ampliar e quem sair do ensino médio sairá também com o diploma profissionalizante. Vamos começar em mais de 300 escolas com o ensino da língua inglesa, podendo até dobrar isso e chegar à totalidade do ensino médio até 2024. Tenho trabalhado para isso porque enxergo que, se eu der conta de criar esse movimento, a educação vai passar para outro nível em Goiás.

Patrícia Moraes Machado – Há uma crise econômica nacional que se avizinha e, tudo indica, deve estourar nos próximos anos. Goiás está pronto para enfrentar essa próxima dificuldade? Não lhe causa receio?

Sim, isso nos preocupa. Mas, pelo menos agora temos uma musculatura própria, em termos de arrecadação, temos de ver como vamos atravessar tudo isso, mas não há mais fragilidade, já temos como saber o rumo a tomar com a queda de arrecadação. Como ela vai se configurar e em que tamanho? Bem, já temos uma ideia, por conta do que já está acontecendo desde a metade de julho até agora. Ou seja, já temos parâmetros de perda. Claro que nos preocupa. Se há uma perda substantiva, que pode chegar até a R$ 5,5 bilhões no ano que vem, tenho de saber como vou poder suprir todas essas metas que desejamos atingir, seja na regionalização da saúde como também no padrão da educação que estamos mirando.

Euler de França Belém – A economia de Goiás cresceu mais do que a do Brasil. O Estado pode se desenvolver ainda mais, acima da média nacional? Qual é o potencial de crescimento que ainda temos?

Primeiramente, é preciso ressaltar que Goiás cresceu muito mais do que o País porque temos aqui um potencial ímpar para desenvolver. Em muitos Estados, esse crescimento já bateu no teto. Mas nós, em algumas regiões ainda estamos apenas começando a explorar esse potencial.

É o caso do Nordeste Goiano, para onde estamos levando toda a infraestrutura necessária. Com a federalização da Rodovia GO-118, transformando-se em BR-010, e o governo estadual fazendo toda a estrutura para a GO-116 [que liga Formosa à GO-239], recuperando toda a logística da região – asfaltamento de Iaciara a São Domingos, de Divinópolis a Monte Alegre, de Colinas do Sul a Niquelândia e a Minaçu, de Água Fria a Mimoso –, vamos abrir, só no Nordeste, 2 milhões de hectares de terra. Já no Sudoeste Goiano, só de fazer a ligação entre Mineiros e Chapadão do Céu, a estrada antiga de Jataí, entre outros, serão mais 200 mil hectares. No Vale do Araguaia, teremos a ligação, pela GO-164 até Cocalinho, integrando Goiás e Mato Grosso, que já está em fase avançada e a mesma 164 a Bandeirante; também na mesma região, a ligação de Crixás e Nova Crixás e Mundo Novo até Uirapuru. Tudo isso também em estágio bem adiantado. Por isso eu digo: qual outro Estado tem potencial de água e logística, com rodovias e ferrovias? A Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, que está atravessando todo o Norte goiano, vale a pena uma visita a Mara Rosa. São 383 quilômetros saindo de lá até Água Boa, o que abre todo o Vale do Araguaia e o Norte Goiano com uma logística barata, que é a ferrovia. Vai ficar pronta em no máximo quatro anos, que é o prazo dado a Carajás para entregá-la. Então, pergunto: qual Estado tem essa capacidade? Mas qual é nosso gargalo? A energia elétrica. Não temos como atender a demanda de energia.

Euler de França Belém – E como o sr. pretende agir para resolver essa questão?

Se eu realmente pudesse ter tido condições de salvar a Celg, com certeza investiria muito mais. Não tenho mais capacidade de definir sobre o assunto. Mas, nesta semana, pedi para que marcassem uma audiência na Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] com o sr. Hélvio [Guerra, diretor da Aneel], que é o relator da venda da Enel para a Equatorial. Precisamos saber quais são as regras. Eu já recebi o pessoal da empresa que comprou, mas o processo precisa passar pela Aneel. A agência ainda precisa convalidar a negociação feita entre as partes, como também o Cade [Conselho de Administração de Defesa Econômica]. Até então, ficamos no interregno, o que ainda é melhor do que a caducidade, pela qual viria uma intervenção federal, sem nenhum investimento.

Importante: tivemos a informação de que a Enel está retirando de Goiás toda a estrutura de suporte para a manutenção das linhas de distribuição de energia elétrica. Ora, a outra empresa nem assumiu e estão “esvaziando” essa estrutura, bem no momento em que estamos entrando no período chuvoso. Isso é um crime.

Elder Dias – Goiás está ficando sem serviço de manutenção da rede elétrica?

Exatamente. Já pedi uma audiência à Aneel sobre isso e tão logo isso seja marcado estarei lá. Também vou ao Ministério de Minas e Energia. Como vamos encarar uma fase de chuvas assim? A previsão de enchentes para o Norte e o Nordeste goiano é maior do que no ano passado, com mais de 500 milímetros de chuva. Já estamos com todo o aparato de socorro – Corpo de Bombeiros, cestas básicas, medicamentos etc. – para ser despachado para a região, para ver se não ficamos como no ano passado, com comunidades ilhadas. Mas como, em uma hora dessas, a Enel simplesmente desativa seu pessoal, no período de raios e queda de árvores nas redes?

Patrícia Moraes Machado – Qual é o investimento previsto pelos Correios para o Estado de Goiás?

É algo impressionante. Os Correios vão mudar toda a parte de carga para Goiás. Vamos ser o principal polo de distribuição. Já montaram uma estrutura no Daia [Distrito Agroindustrial de Anápolis] e agora estão buscando convênio com um aeroporto, ou de Goiânia ou de Anápolis, para ser o local de transbordo de toda a estrutura dos Correios para o País. Teremos aqui a base de recebimento e redistribuição de cargas.Caiado-entrevista-esquerdo-940x627

Vamos construir um dos maiores distritos industriais do Brasil no Entorno do DF

Euler de França Belém – Juscelino Kubitschek [presidente da República de 1956 a 1961] dizia que quando pensou em construir Brasília, a ideia era descentralizar o desenvolvimento do País. O sr., por sua vez, está pensando muito no Nordeste Goiano, que é a região mais pobre do Estado, ao criar uma estrutura fundamental para que empresas possam ir para lá. É essa mesma a ideia, uma descentralização do desenvolvimento do Estado?

Talvez tenha sido essa uma das maiores dificuldades que tive no início de meu governo. As pessoas não entenderam quando eu diminuí os incentivos fiscais para as regiões que já têm um grau maior de desenvolvimento e priorizei outras, com menor grau. Eu, então, retive o FCO [Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste] e condicionei o repasse a minha análise, porque é preciso priorizar o crédito subsidiado. Não dá para injetar R$ 100 milhões, R$ 200 milhões, até R$ 300 milhões em uma empresa, enquanto nós temos pequenos e microempresários na região do Nordeste de Goiás, no Entorno do DF e em outras localidades que precisam ter oportunidade de crédito com taxas menores. Esse foi o primeiro embate que eu tive, ao direcionar esse repasse.

Na região de Santo Antônio do Descoberto, no Entorno do DF, talvez seja a área mais competitiva que temos, com cerca de 250 alqueires que estamos desapropriando, vamos construir um dos maiores distritos industriais do Brasil. Não tem nada igual, pela posição geográfica do município. Tenho certeza de que vamos mudar aquele sentimento de cidade-dormitório para um lugar que vai ter uma estrutura de absorção de emprego na região como nenhuma outra. Há o lado consumidor, que é o Distrito Federal, e a parte de extensão territorial, que é Santo Antônio do Descoberto.

Outro projeto nesse sentido é o que explora o microclima da região do Vão do Paranã, no Nordeste Goiano – e nem é um processo meu, vem da época de Oton Nascimento [ex-secretário de Estado de Goiás]. É algo que explora o desenvolvimento climático para a fruticultura, de modo até a concorrer e ser competitivo com o Nordeste brasileiro e tem tudo para ser realidade. Por que um projeto não teve continuidade, por que nunca foi implantado? Porque nunca houve um investimento pesado ali. Quem tinha essa intenção era o Ary [Valadão, governador de Goiás entre 1979 e 1983], mas seu filho Aryzinho morreu [em acidente aéreo, durante visita ao Projeto Rio Formoso] em Alto Paraíso e ele ficou, talvez, sem vontade de continuar o projeto. Isso ficou parado esses anos todos. Estou dando conta de fazer a ligação do Nordeste Goiano encurtando distâncias, com rotas transversais que estamos criando. É essa logística que temos de apresentar para que o desenvolvimento venha. Não posso exigir que um empreendedor faça um polo de fruticultura ou uma indústria no Vão do Paranã sem dar as condições para isso. Serão, tranquilamente, 3 milhões de hectares de terra em todo o Estado que estão sendo desenvolvidos.

Euler de França Belém – Os prefeitos de vários municípios do Entorno do DF dizem que hoje a população tem uma sensação de maior pertencimento a Goiás. Antes, não se sentiam ligados nem a Goiás nem a Brasília – ou até que eram mais de Brasília. Por que o sr. se preocupou em promover essa mudança na região?

Desde quando fui estudar no Rio de Janeiro sempre escutei “ah, esse aí é goiano, vem da terra onde onça anda na rua”, esse tipo de piadinha. Imagine como era isso 47 anos atrás. De minha parte, sempre senti uma honra enorme em ser goiano. Foi algo que eu alimentei em minha vida desde muito jovem. No 3º ano de Medicina, eu já era monitor de Anatomia, eu pensava “vou dar aula para esses cariocas”, “não vou perder meu sotaque”, queria ser o melhor nisso ou naquilo. Essa autoestima é muito importante, ter orgulho do que somos.

Por essa minha experiência, toda vez que vejo um cidadão, em seu território, diz não saber quem ele é ali, que não encontra uma identidade, é algo que me deixa triste. Quer coisa pior do que isso? Então, quando vejo isso ocorrer por aqui, o que eu mais quero é fazer a pessoa, dizer “aqui é Goiás. Meu Estado!”, nos assumir. Vocês sabem, ali no Entorno existia o chamado “turno da fome”, a criança que não tinha nem alimentação nem grade curricular completa. Hoje as escolas estão todas arrumadas, tudo novo, com reconhecimento facial, uniformes, salas limpas e organizadas. A maior luta agora que tenho no Entorno é fazer com que as pessoas emplaquem seus carros aqui e não em Brasília – para mostrar que gostam da cidade, que sentem que pertencem àquele lugar.

Eu acredito naquilo que é a presença, em conversar com as pessoas. Isso é algo que sempre eu tive e em que acredito. Sou muito observador. Por que Iris era alguém de quem as pessoas gostavam dele tão facilmente? Porque ele fazia questão de estar com as pessoas, de escutar. Eu fiquei a manhã inteira no Mercadão do Emprego [evento realizado na Praça Cívica], até as 11 horas, para ver, para escutar. Então, eu chego em uma padaria no Novo Gama [município da região do Entorno do DF] e o dono diz “o senhor não vai pagar nada aqui”, porque antes não tinha condições nem de abrir a porta da padaria, que não tinha coragem de ir trabalhar devido a insegurança da região. Outro, que tem uma casa de carnes, me disse que recebia, em média por ano, 11 revólveres na cara de assaltantes. E hoje diz que não tem isso mais. Hoje as pessoas da região, que têm seu pequeno comércio, estão se sentindo realmente cidadãos. Isso é gratificante.

Euler de França Belém – Na área do transporte público, algo que é muito preocupante principalmente na Grande Goiânia, o que o sr. está fazendo?

Está acontecendo algo nunca visto em nosso Estado: estamos há 3 anos, 9 meses e 19 dias sem um centavo de aumento da tarifa de ônibus em Goiás. Isso com a maior inflação de diesel dos últimos tempos. Hoje há o Bilhete Único, com o qual o usuário tem duas horas e meia para transitar, independentemente de ir para um terminal; tem também o Passe Livre do Trabalhador, que a pessoa usa para até oito viagens por dia, mesmo aos sábados e domingos; e também vamos implantar o que já há em Senador Canedo, a meia passagem, em que se deslocando por até cinco quilômetros só se paga a metade da tarifa, ou seja, R$ 2,15.

Agora, com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) autorizando a compra de 114 ônibus elétricos, o transporte vai virar um espetáculo. Os ônibus equipados com wi-fi , sonorização tranquila, ar-condicionado, sem ruído e sem poluir. Vamos mostrar o que é governar uma capital sem comprometer o meio ambiente. É um primeiro passo na prática.

Vou enviar para a Assembleia Legislativa um projeto de criação da região das cidades limítrofes a Brasília. Ou seja, a Região Metropolitana [do Entorno]. Entramos no STF contra uma decisão da ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], autoritária, que passou para Brasília o controle do transporte do Entorno do DF. O ministro André Mendonça está julgando favorável a nós e deve derrubar a decisão.

A partir dessa Região Metropolitana formada pelos municípios limítrofes, vou buscar convênio com a União e o governo do Distrito Federal. Veja bem, é um convênio. A Região Metropolitana é Goiás, com esses municípios limítrofes, nessa parceria com Brasília e a União, que são dois entes federados. O que Brasília queria era tomar conta do Entorno todo. Mas não, não vai. Enquanto Ronaldo Caiado for governador, não terá nenhum palmo [dos municípios limítrofes]. Ninguém é mais ciumento do que eu nessas questões. Não existe isso, é algo de que não abro mão, de que nós goianos tenhamos nossas prerrogativas sobre o transporte e outros assuntos. Não posso admitir que um transporte vá só até Santa Maria [cidade-satélite do Distrito Federal, próxima a divisa com Goiás] com verbas que não são só de Brasília – que tem R$ 14 bilhões a fundo perdido, um tipo de FCO específico. Já pensou se os Estados recebessem isso, cada um, R$ 14 bilhões a custo zero, sem precisar retornar nada?

Mas por que queriam tomar conta do Entorno? Porque queriam colocá-lo como um “puxadinho” do DF. Não, o Entorno não é “puxadinho”, é Goiás e vai ser de Goiás (enfático). Vou trabalhar fortemente por esse projeto de lei da Região Metropolitana, primeiramente na Assembleia, e então, a partir daí, um convênio com o governo federal e do DF.

Elder Dias – Como está seu relacionamento com o governador do DF, Ibaneis Rocha, que já esteve bem atribulado?

Na mesma hora em que ele liga para mim, numa segunda-feira, me parabenizando, logo depois diz que não teve jeito de evoluir tal situação porque não teve contrapartida de Goiás. Jamais deixei de dar contrapartida. Da mesma maneira que, ao inaugurar a água de Corumbá 4 ele diz que sou o melhor governador do mundo, daí a pouco me critica por outras coisas. Infelizmente, há situações de dificuldades que a gente precisa superar. Nada pode ser um fato inibidor do desenvolvimento e do atendimento de uma população. Mas é preciso entender que não vou deixar de olhar os interesses de meu Estado.

Eu sou muito exigente. Não crio nada ‘pró-forma’

Euler de França Belém – Fala-se que o sr. pode criar a Secretaria do Entorno. Mas muitos governos trataram o Entorno com uma uma superintendência, sem estrutura alguma. No caso, essa secretaria não seria também apenas “pró-forma”?

Eu sou muito exigente. Não crio nada “pró-forma”. Você não vai ver nenhuma vinculação de uma secretaria que eu criar com o atendimento de algum partido. Se eu crio uma secretaria, ela precisa me trazer resultados, precisa ter eficiência. Se não for assim, não tem por que existir. Mas é preciso dizer que intensificamos os investimentos que temos feito no Entorno do DF, no Norte e no Nordeste de Goiás. São regiões que precisamos atender para não termos uma balança desequilibrada. Não posso ter uma região Sul ou Sudeste de Goiás com um IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] melhor, condições melhores de emprego e salário e outras regiões com crianças morrendo de tuberculose, doença de Chagas, leishmaniose etc. Essa é a função de governar. É fácil? Não é, mas eu faço porque tenho independência para poder fazer. Não vou ser omisso nessas condições.

Se você chegar hoje no povoado quilombola de Cavalcante, São Domingos, as pessoas vão falar “o governador nunca veio aqui para prometer nada. Veio para inaugurar água, energia, estrada, apoio à saúde”. O cidadão viveu a vida inteira lá e nunca teve água tratada! O que eu digo, então, é que independentemente de ser Entorno ou em Cavalcante, ou qualquer outro lugar, no Estado de Goiás o cidadão precisa ter o mínimo de cidadania, sem discrepâncias.

Euler de França Belém – Mas a secretaria será criada?

Sim, mas será uma secretaria forte. Terá uma função concentrada de ações sociais, de emprego e renda, de qualidade de educação etc. Muitas vezes inventam programas que ficam até bonitos no marketing, mas não têm eficiência. Aí é gastar dinheiro com coisa boba. O [programa] Mães de Goiás está sendo copiado no Brasil todo, porque por meio dele estou alimentando uma criança em vulnerabilidade de zero a 6 anos. Outro programa, o que repassa 110 reais para o aluno de ensino médio, também está sendo copiado.

Euler de França Belém – Conversando com jornalistas de outros Estados, eles dizem que o governador de Goiás é um liberal que criou uma das maiores redes de proteção social do Brasil.

É bom ter esse reconhecimento e, melhor, saber que fizemos isso de forma consequente, para que seja formada uma rede emancipadora. Se há o Auxílio Brasil de 600 reais, do governo federal, temos de fazer ações complementares a essa, ou seja, que visem a criança desnutrida, não vacinada, sem capacidade de aprendizado. Então é isso que fazemos: vacinação, controle médico e comida para ela, 250 reais na mão da mãe. Se tem um adolescente deixando a escola, colocamos 110 reais na mão dele. Uma pessoa morando debaixo da ponte? Então colocamos um aluguel social para ela não continuar nessa situação. Não estamos criando transferência de renda “geral”: essa já existe com o governo federal. O que fazemos é potencializar isso com essas nossas ações.

Euler de França Belém – A indústria do amianto em Minaçu pode ser inviabilizada por decisão judicial, do STF. O sr., como médico, pode afirmar que a produção do amianto é segura?

Todo e qualquer minério pode ser tóxico ao organismo. O que é necessário é produzir sob controle. Pergunto: por que proibir só o amianto? Outra questão é que o amianto produzido é o crisotila e não o anfibólico. São coisas totalmente distintas, já estudadas pelo mundo todo. Nos Estados Unidos, o crisotila é utilizado com total segurança, como sendo um dos fatores de isolamento térmico mais eficientes que existem. Nossa produção em Minaçu é 100% exportada para lá [Estados Unidos], não fica um grama sequer no Brasil, por que querer fechar a usina lá? É quase que matar economicamente do município. Parece uma obsessão.

Imagina a situação do mercúrio. É um metal que, se for usado para buscar ouro, vai haver sequelas graves para muita gente. No caso do amianto, temos um jogo internacional. A Saint-Gobain [companhia multinacional francesa], que trabalha com a fibra de plástico, não quer ter a concorrência de uma fibra de amianto. Ora, se colocar uma caixa d’água com fibra de amianto com um sol de 50 graus, o material suporta; já uma caixa d’água de plástico não aguenta, vai deformar. Tudo isso é mercado. Em qualquer setor, se houver um uso indevido, haverá problemas. Na Europa, quando fizeram jateamento de um amianto de outro tipo, por causa do frio, a pessoa respirava e tinha consequências. Mas vamos conversar sobre nosso amianto. Vocês acham que, se estivesse causando problemas de saúde realmente, a área de saúde dos Estados Unidos iria importar 100% de nosso produto? Não faz sentido. Em qualquer setor, o que é preciso é ter o manejo e as orientações corretas. Estamos abrindo mais uma mineração de ouro, em Mara Rosa, com toda a segurança e tecnologia. Não há risco de nenhuma sequela. Mas, se fizer na base do mercúrio, como os garimpeiros faziam, é lógico que haverá consequências.

(FOTOS:  JORNAL OPÇÃO)

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Alan Ribeiro
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