
Funcionário mais antigo do mundo, Walter Orthmann celebra 100 anos de vida em SC
Quem imagina um homem de 100 anos não pensa em alguém que dirige o carro até a empresa em que trabalha de segunda a sexta-feira e que se exercita até nos finais de semana, mas é exatamente essa pessoa que se encontra quando se visita a sala de Walter Orthmann em Brusque.
O homem comemorou o centésimo aniversário na terça-feira (19/4), com a saúde e disposição que muitos que são mais jovens não têm.
Em cima da mesa do escritório, um smartphone e um tablet mostram que o vendedor, que trabalha há 84 anos, não parou de se atualizar com o tempo.
“Hoje é muito fácil, resolve tudo com um celular na mão”, diz, ao relembrar a diferença dos tempos atuais em relação à época em que começou a trabalhar nas Indústrias Renaux S.A., mais tarde chamada de Renaux View.
Walter foi contratado em 17 de janeiro de 1938, aos 15 anos. Ele ainda se recorda da primeira calculadora que usou, alguns anos depois da contratação. O diretor da empresa na época, Roland Renaux, foi para a Alemanha e trouxe uma máquina de calcular.
No início, Walter recebeu a tecnologia com desconfiança: fazia as contas de cabeça e depois checava se o valor batia. Na época não se usava telefone, e os textos eram feitos em máquinas de escrever.
Na rua da empresa não tinha energia elétrica, assim como a maior parte de Brusque. As estradas não tinham calçamento, e os dias chuvosos eram complicados devido à lama. Nas casas, não havia água encanada e cada um tinha um poço.
As lembranças são típicas de quem viveu o século 20 no interior: Walter começou a trabalhar na roça aos 12 anos, plantando aipim. Com os olhos marejados de emoção, ele relata que andava todos os dias cerca de cinco quilômetros, a pé e descalço, para chegar até a escola. Nem os dias de inverno mais severo com a paisagem branca devido à geada o impediam de seguir a dura rotina.
Ele frequentava a escola alemã da comunidade evangélica luterana. Quando chegou ao sétimo ano, a mãe queria que parasse os estudos para trabalhar e ajudar na renda da família, que era composta por cinco filhos. Foi então que um professor falou com a mulher para que ele permanecesse mais um ano na escola. A proposta era o menino estudar de manhã e trabalhar à tarde como jardineiro. O homem pagou 7 mil réis para que ele pudesse arcar com os custos da escola.
Depois desse período, conseguiu o emprego na Renaux View. Como falava bem alemão, nos primeiros oito meses já foi promovido. Começava ali a trajetória que o consagraria anos mais tarde como o funcionário mais antigo em atividade no mundo, conforme dados do Guiness World Records.
Momentos que marcam
Nesses 100 anos, seu Walter acompanhou quase todas as mudanças da empresa em que trabalha, viu guerras, vários presidentes governarem, viu Brusque crescer e se desenvolver e acompanhou momentos que marcaram a história. Quando o dirigível alemão Zeppelin passou pela cidade ele tinha 12 anos.
Ainda assim, os momentos mais marcantes para ele são relacionados à família.
– Vi muita coisa boa e ruim nesse século. Quando a gente olha para trás já se passaram anos e anos e você nem percebe que já passou tanto tempo. O que marca muito é a perda de filhos.
Walter viu três dos oito filhos que teve morrerem. Um deles foi assassinado em 2008, outro de apenas 28 anos devido a complicações da Covid-19 em 2021, e uma menina que nasceu prematura teve poucos meses de vida.
Medo na 2ª Guerra
Orthmann viveu durante um dos períodos mais marcantes da história recente da humanidade, a Segunda Guerra Mundial. As lembranças da época são de medo de ser convocado para lutar e também da opressão por parte da polícia em Brusque.
– Não podia falar alemão, e só se falava alemão aqui na época. Em Blumenau era a mesma coisa. Muita gente foi presa por isso – recorda.
Uma das únicas formas de ficar sabendo dos fatos era através da rádio, mas os moradores também estavam proibidos de acompanhar esse meio de comunicação.
– Não se sabia quase nada, a informação era muito pouca. As pessoas tinham curiosidade de saber quantos navios haviam sido bombardeados, quantos aviões haviam caído, quantas pessoas tinham morrido em conflito, mas era proibido acompanhar as notícias. Vigilantes ficavam do lado de fora das casas para descobrir se alguém estava ouvindo escondido. Tinha um delegado que era terrível. Alguns alemães se arriscavam, mas era muito perigoso – relembra.
Em uma dessas situações, um vizinho de Walter acabou preso. Ele falava alemão e ouvia a rádio para tentar ter notícias do filho que estava na guerra. O jovem lutava pelo Brasil na Itália, e quando voltou para Brusque ficou revoltado com a situação de lutar pelo país e o pai ainda ser preso. Depois de algum tempo, o homem foi solto.
O maior medo de Walter era ser convocado para lutar. No auge da juventude, ele lembra que poderia ser chamado a qualquer momento, o que não chegou a acontecer. Três companheiros de turma foram convocados e chegaram a ficar na Itália durante um ano, mas apenas na defesa, sem entrar em combate.
Walter se recorda de que o diretor da Renaux View na época foi obrigado a deixar a empresa por ter nascido na Alemanha.
Aposentadoria jamais
Durante os 84 anos em que Walter trabalha na Renaux View, passaram por lá quase 11 mil funcionários. A empresa nunca chegou a ter mais que 2 mil ao mesmo tempo, segundo o gerente de marketing Roberto Sander. De acordo com Walter, todos os colegas se aposentaram cedo.
Ele se aposentou aos 56 anos, mas curtir a vida e largar a labuta? Jamais. Decidiu continuar trabalhando. Na época, a aposentadoria era obrigatória ao completar 40 anos de trabalho. A carteira de trabalho mostra o registro da seguridade social em 31 de maio de 1978, e a readmissão no dia seguinte. Para Walter, a empresa o quis manter no quadro de funcionários porque ele era muito útil.
Aos 84 anos de trabalho na empresa, ele não tem perspectiva de largar o emprego.
– No início da pandemia eu fiquei em casa, não dirigia mais o carro. Ficava só deitado e sentado, e caí muito nesse tempo.
Segredo da longevidade
Quando perguntado qual seria o segredo para viver tanto, Walter diz que a pessoa tem que se cuidar. A cada quatro meses ele faz um check-up médico para ver se está tudo certo, e recomenda que as pessoas cuidem da alimentação, do sono e do estresse. Como ele mesmo diz, “segredo não tem”.
Em um momento em que se fala tanto sobre temas como ansiedade, Orthmann reforça que ninguém deveria se preocupar com o dia de amanhã, e sim viver o hoje.
Ele usa um pano para puxar a perna 100 vezes para cima todas as manhãs, e faz outros exercícios de alongamento e respiração.
Além dos conselhos de cuidado com a saúde física, como ingerir menos sal e açúcar, Walter também aconselha a todos que vivam uma vida tranquila.
– Não fique nervoso, faça tudo rindo. Faça só o que gosta de fazer. Eu gosto de trabalhar aqui na empresa, gostava de viajar (a trabalho), e assim você nem sente o tempo passar. Não tenha inimigos. Peça desculpas. Viva tranquilo. A vida é só uma passagem aqui na Terra, aproveite, faça o que você quiser – recomenda.
Na celebração dos 100 anos, comemorações e homenagens da empresa devem foram incluídas música e chope. O idoso estava extremamente animado com tudo.
A carteira de motorista dele ainda tem um ano de validade, e ele diz – aos risos – que dirige melhor do que anda, já que tem usado uma bengala. Com boa visão e exames regulares que não apontam nada preocupante, Walter Orthmann tem tudo para ainda passar para trás muitos mocinhos.
No fim das contas, Walter é um garotão aos 100 anos.