
O médico Gomes da Frota, ex-prefeito de Ipameri e ex-deputado estadual por Goiás
Era ano de 1936, Goiás respirava um clima político pesado, pois no centro das decisões estava o interventor Pedro Ludovico Teixeira com um inarredável propósito: mudar a capital do Estado para Goiânia, qualquer que fosse o custo. Para consolidar esse ato de força e coragem, o decreto seria assinado em 23 de março de 1937.
Antes disso muita coisa aconteceria, como a prisão do deputado Jaci de Assis. O fato motivou os colegas deputados de oposição: Hermógenes Coelho (presidente da Assembleia Legislativa), João Coutinho, Salomão de Faria, Costa Paranhos, Agenor de Castro, Alfredo Nasser, Jubé Júnior, Genserico Jayme, Victor Coelho de Almeida, Cunha Bastos e o suplente Sebastião Gonçalves a solicitarem asilo ao 6º Batalhão de Caçadores, unidade do Exército com sede no Estado de Goiás, onde pediram garantias de vida ao governo federal.
Sob a presidência de João D’Abreu (vice-presidente da Assembleia Legislativa), se reuniam os seguintes deputados da situação: Irani Ferreira, Moisés Costa Gomes, Jacinto de Almeida, Felismino Viana, José Ludovico de Almeida, Oscar Campos Júnior, Gomes da Frota, Espírito Santo Netto, Sebastião Machado, Hermínio de Amorim, Balbino de Carvalho e Achiles de Pina.
João D’Abreu assumiu a presidência amparado pelo artigo 11 do regimento interno, uma vez que o presidente da Assembleia, Hermógenes Coelho, asilado no 6º BC, se negava a renunciar ao cargo.
Coube ao deputado Gomes da Frota, um dos que defendiam a mudança da capital, a tarefa de, em discurso, justificar aos colegas a investida do antigo vice ao cargo de presidente do Legislativo do Estado.
Após essa reunião, Pedro Ludovico Teixeira enviou um telegrama ao líder da maioria: “Lamento acontecimentos ocorridos, mas dever imperioso mudar a capital obriga-se tomar todas medidas necessárias aquele desideratum pt. Não tolerável ameaças de caídos. Pedro Ludovico”.
Era sob esse clima da política onde somente os fortes sobreviviam que Antônio Raimundo Gomes da Frota teve carreira como homem público, ao eleger-se deputado estadual pelo PSR, em 14 de outubro de 1934. Nascido em Sobral (CE) em 13 de julho de 1886, Gomes da Frota formou-se em Odontologia na Universidade da Bahia (1913) e Medicina na mesma universidade, dois anos depois.
Prefeito de Ipameri (1937 a 1943), entre as realizações de Gomes da Frota estão a construção do prédio da prefeitura municipal, o fórum, além de estradas no município para viabilizar o escoamento da produção agrícola na região. Juntamente com o bispo dom Emmanuel Gomes de Oliveira, lançou a pedra fundamental do educandário que seria inaugurado no último ano de sua administração. O relógio da Igreja Matriz do Divino Espírito Santo (inaugurada em 1938) foi doado na gestão de Gomes da Frota.
A liderança de Gomes da Frota feria interesses de elementos preocupados mais com o bem-estar pessoal, por isso ele logo se tornou alvo fácil. A sua volta foi criada uma rede de intrigas para incompatibiliza-lo com o governador Pedro Ludovico. A teia de desavenças foi formada por integrantes do próprio PSD de Ipameri com o objetivo de produzir o rompimento entre os dois líderes.
Pedro Ludovico não aceitava liderança que ameaçasse seu poder de mando, e Gomes da Frota era independente nas suas ideias, defendia seus pontos de vista e não tolerava cabresto. Eis o ponto nevrálgico onde adversários políticos focaram seus raios de intriga.
O senador Antônio Ramos Caiado (Totó Caiado) foi preso e mandado para o Rio de Janeiro durante a revolução de 1930. De volta a Goiás, liberado, pois nada se provou contra ele, Gomes da Frota mandou promover grande recepção ao senador em Ipameri, por onde o trem passava. Com esse gesto, demonstrou a sua postura de líder independente, o que foi visto como um desafio por políticos da época.
Polêmico, de posições firmes, em 1930 quando houve o assassinato do advogado Eurico Gutenes, na Praça da Liberdade, Gomes da Frota, em tom de desabafo, disse que Ipameri estava se transformando em “cemitério de advogados”.
Gomes da Frota teve uma carreira política profícua, tendo consolidado sua eleição a deputado na chamada região da estrada de ferro. Talvez por ter sido “caiadista” e haver conservado com aquela família, amizade marcada pelo respeito mútuo, o líder político despertou um clima de desconfiança entre membros de seu próprio partido.
Decepcionado com o cenário político, Gomes da Frota adotou postura contrária a Pedro Ludovico, fazendo-lhe dura oposição, em Ipameri. Anos depois abandonou a vida pública e dedicou-se apenas à Medicina. Encarnava o típico perfil de médico humanista. Não cobrava consulta. Desapegado de bens materiais, gostava de brincar com as pessoas, chamando-as de “meninos”. Assim atendia em domicílio. Quando o doente morava distante, recorria a charrete conduzida pelo amigo Juca Charreteiro.
Como político e como médico, a trajetória de Gomes da Frota foi marcante. Entre os moradores mais antigos de Ipameri conta-se que, quando era prefeito, Gomes da Frota guardou todos os sacos de cimento vazios, utilizados nas construções de prédios públicos para prestar contas dos gastos nas obras que realizou. O que diriam políticos de hoje sobre tal postura?
O espírito empreendedor do gestor municipal estava de plantão permanentemente. E às vezes fazia da missão do prefeito um curioso cruzamento com a do médico. Certa vez, ao receitar medicamentos a um paciente, preocupado talvez com os gastos das obras para o município, Gomes da Frota prescreveu na receita: “um tijolo de 6 em 6 horas”. Múcio Vaz, o farmacêutico procurado para fornecer a medicação, ao ler a receita transformou em mais uma anedota entre a população.
Postura de atleta, simpático, elegante, Gomes da Frota trajava sempre terno de casimira inglesa e sapatos de cromo alemão. Casou-se com uma das moças de família tradicional de Goiás, Maria Adélia Baiochi, poetisa e musicista, com quem teve seis filhos: Inez, Maria de Lourdes, Sílvio Antônio, Ivan Moacir (brigadeiro da Aeronáutica) e dois médicos Valter Hugo e Hugo Valter Frota, este último responsável pela construção do Hospital São Francisco de Assis, hoje uma referência da Medicina em Goiânia, atualmente sob direção geral do médico e cirurgião Hugo Valter Frota Filho, neto de Gomes da Frota.
O semanário Ipameri noticiava, em 1961, a morte do médico Antônio Gomes da Frota ocorrida em Goiânia. Terminava assim a trajetória de um realizador, que fazia do humanismo sua doutrina de vida.
Luiz Alberto de Queiroz, escritor, autor de 22 livros, entre eles: O Velho Cacique (sobre Pedro Ludovico, 8ª edição), Marcas do Tempo (de Getúlio Vargas a Tancredo Neves), Olímpio Jayme – Política e Violência em Tempos de Chumbo, 1ª ed. – esgotado.)