
Empresas chegam em Goiás por meio de bilionários incentivos, mas muitas abandonam estado pouco tempo depois, deixando dívidas, desempregados e uma economia dependente de suas atividades. Isenção fiscal de Goiás chega a R$ 8 bilhões
Fotos:
Unilever: empresa inglesa-holandesa deixará Goiás após 12 anos de produção no Estado (Fotos: Divulgação)
Empresa Novo Mundo, em Niquelândia, declara fim de atividades: município entrou em crise após abandono da Votorantim, que derrubou outros pequenos comércios
Cachoeira Alta, em Goiás: município depende de frigorífico para gerar empregos. JBS assustou moradores quando abandonou atividades
Welliton Carlos
Considerado um programa atraente para trazer indústrias, o Produzir tornou-se na atualidade um pesadelo para o Governo de Goiás. Há quase dois anos a atual gestão ensaia uma tentativa de diálogo com o segmento para rever alguns pontos e tópicos do programa que se inspirou no Fomentar, instituído ainda pelo governo Iris Rezende (MDB) em meados da década de 1980.
Programa do Governo do Estado de Goiás que incentiva a implantação, expansão ou revitalização de indústrias, cuja missão seria estimular a realização de investimentos, a renovação tecnológica e o aumento da competitividade estadual com intuito de gerar emprego, renda e redução das desigualdades sociais e regionais, o programa está hoje no furacão para que Goiás saia da crise.
O Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE), em decisão de 2017, reviu todas as contas do Estado neste quesito e chegou à conclusão de que o governo precisa cortar pelo menos 12,5% dos incentivos fiscais dados para as empresas. Após um acordo, o tribunal indicou redução de 9%.
Pelas contas, Goiás teria perdas em benefícios que chegam a R$ 8 bilhões anuais. É um valor significativo, levando-se em conta que o orçamento público do Estado não ultrapassa R$ 23 bilhões.
Com a medida, Goiás economizaria R$ 1 bilhão ao ano diante de uma situação em que o estado acumula dívidas bilionárias e só poderá contrair empréstimos em setembro de 2019, caso volte a pagar o que deve para a União.
Antes mesmo do governo iniciar o debate sobre esta necessidade de redução de dívidas, eis que o cenário econômico goiano foi surpreendido: a empresa inglesa-holandesa Unilever deixará o Estado. A multinacional entrou na economia goiana por meio do Fomentar, o programa anterior ao Produzir, mas com efeitos semelhantes. Quem observa a entrada da empresa vê a placa do Fomentar que torna pública a utilização dos benefícios.
É preciso voltar no tempo: antes de ser Unilever, a empresa era da americana Best Foods. E antes de Best Foods, era Arisco, uma empresa genuína que marcou a história do empreendedorismo goiano.
As perdas, na verdade, são apenas conjecturas. Afinal, a maioria das empresas que faz uso dos benefícios devolve riquezas e empregos para Goiás. A questão é que cada vez mais existem denúncias de que algumas delas “ganham” bem mais dos goianos do que “oferecem”.
Ainda a ser analisada e melhor interpretada, a saída da Unilever ocorre após 12 anos de presença no mercado goiano, em que teve benefícios concedidos pelo Governo de Goiás. Há poucos dias, o Governo emitiu uma nota em que disse lamentar o fato da empresa deixar o Estado e seguir para o sul de Minas. A Secretaria da Fazenda sequer foi informada da medida, como se a entrada da multinacional no território goiano fosse uma simples medida unilateral.
“A tendência é que analisemos de forma simplista a questão. Não é: muitas vezes a empresa precisa sair por outros motivos, como a logística. Pode ser este o caso da Unilever. Mas é certo que existe também muitas outras empresas que nada ou pouco acrescentam, ainda que tenham preciosos incentivos”, diz o economista Luís Carlos da Silva, especialista em tributação.
A grande questão é que as empresas se infiltram muitas vezes por meio de empresários goianos ou mesmo programas regionais de incentivos, mas depois abandonam o Estado sem deixar alternativas para a parte mais frágil: os moradores.
NIQUELÂNDIA
Em 2016, por exemplo, a Votorantim abandonou Niquelândia, deixando o município em uma situação economicamente delicada. Conforme a Prefeitura, a economia teve uma queda de 40%. Do nada ocorreu a desvalorização dos imóveis, ampliou-se a informalidade no município e uma grande corrente emigratória tornou-se comum. “Ficar aqui tornou-se impossível. Foi uma bola de neve: a Novo Mundo, por exemplo, fechou a sua unidade após toda a crise. Meu irmão trabalhava na loja. E assim muitos sofreram com a repentina saída da empresa”, diz o eletricista Mauro Gomes da Costa. Apesar da Votorantim ainda atuar em Goiás, pelo menos 580 empregos direitos foram perdidos com o fechamento da indústria.
De forma semelhante, a JBS, antes do furacão que tomou a empresa na operação Lava Jato, com a prisão de seus principais empreendedores, também abandonou suas atividades em Cachoeira Alta. A operação da planta, segundo a empresa, deixou de ocorrer por requerimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em 2014, a JBS conseguiu do Governo de Goiás um ótimo desconto: negociou sua dívida tributária de R$ 1,3 bilhão por R$ 320 milhões.
Quanto aos empregos dos moradores de Cachoeira Alta, a Frigol S.A assumiu a unidade frigorífica no mesmo município e amenizou o impacto negativo da decisão do Cade. Mas o receio ainda segue entre moradores, já que a cidade que depende de uma grande empresa vira refém de sua economia para sempre.
Unilever alega facilidades tributárias e logística
A Unilever pretende investir mais R$ 127 milhões na fábrica de Pouso Alegre (MG). É, na verdade, um retorno, para onde a empresa partiu em direção à Goiás. Segundo o Governo de Goiás, a empresa tinha até 2020 para usar seus benefícios fiscais.
Nos bastidores, o que se diz é que a empresa deverá ter isenção de outros tributos, caso de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). As facilidades seriam concedidas pela Prefeitura de Pouso Alegre.
LAMENTO
“O Governo lamenta muito a saída da empresa do estado. Goiás vai perder muito em arrecadação com a saída da Unilever, com a perda da geração de empregos, e com a menor circulação de riquezas que a empresa proporciona na economia goiana”, reconheceu o Governo de Goiás.
Produzir surgiu para diminuir desigualdades, mas tem pouca efetividade
A lei nº 13.591/2000 instituiu o Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (Produzir) e o Fundo de Desenvolvimento de Atividades Industriais (Funproduzir). Em seu artigo primeiro, é explícito que o fundo deve incentivar o desenvolvimento da “indústria goiana”. Logo, não é um projeto para empresas multinacionais ou grandes empresas transnacionais, que tem como prática a colonização econômica de estados e países menos competitivos.
Em seguida, a norma é explícita ao afirmam que o programa “tem por objeto social contribuir para a expansão, modernização e diversificação do setor industrial de Goiás, estimulando a realização de investimentos, a renovação tecnológica das estruturas produtivas e o aumento da competitividade estadual, com ênfase na geração de emprego e renda e na redução das desigualdades sociais e regionais”.
O artigo 6º indica que existem prioridades a serem observadas pela aplicação da lei: integre setor industrial com reconhecida capacidade de crescimento e identidade com a vocação econômica regional, com ênfase nas cadeias produtivas agroindustrial e mineral goianas; contribua intensivamente para a geração de emprego; utilize matéria-prima estadual; promova o reflorestamento industrial; atue como incubador de outras indústrias, dentre outros.
O melhor exemplo do descumprimento da lei é este último tópico, pois não existe exemplo no Estado de indústria de fora que tenha atuado como incubadora. Ao contrário, é raro o intercâmbio com outros segmentos e pouquíssimas aproximações com as universidades e ações científicas do Estado.