Roberto Pompeu de Toledo – Como contê-lo?

A confiança no respaldo militar é o colchão sobre o qual Bolsonaro executa seus saltos mortais

Como se sabe desde o segundo dia do governo Bolsonaro, o presidente e o general Eduardo Villas Bôas guardam um segredo em comum. Ao dar posse ao novo ministro da Defesa, em 2 de Janeiro do ano passado, Jair Bolsonaro disse, olhando para Vilas Boas, que ainda era o comandante do exército: ” Bôas o General Villas Bôas, o que já  conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. De bolsonaro espera-se tudo – até mesmo, sem revelá-lo, contar que partilha com alguém segredo tão comprometedor que sol segurando até o túmulo. Do General Villas Bôas seria de esperar que se mostrasse constrangido. Não. Emocionado, na cadeira de rodas a que o prende de uma perversa a doença degenerativa, a custo conteve as lágrimas.

Se o segredo em si, jamais será conhecido, em termos Gerais foi escancarado daquele momento mesmo: o comandante do exército foi, no mínimo, simpático à candidatura Bolsonaro, seja pelo que ditava o coração, seja pelo sentimento da tropa, seja pela soma dos dois fatores. Hoje a questão assola o Brasil é: que fazer dessa pessoa? Como conter esse desmiolado, destrambelhado e desembestado ser que foi parar na Presidência da República? No domingo 19, ao discursar a turba que, doidivanas como ele, pedia ditadura e Ato 5, além do fim da quarentena, ele desafiou ao mesmo tempo a Covid-19, as instituições e dado ter sido o ato realizado às portas do Q.G. do Exército, a sacralidade do mais simbólico dos espaços Militares.

Não dá para acreditar que os Generais desejam uma ditadura. Não fosse por fé na democracia, eles sabem o trabalhão que isso dá e o desgaste que acarreta. Requer prender um monte de gente, cassar outras tantas. Se houver resistência torturar e matar. Também exige anular a Constituição e costurar todo um novo ordenamento jurídico, além de, nesse meio-tempo, enfrentar o opróbrio de países antes aliados e de personalidades e instituições internacionais. Se censurar a imprensa, há 50 anos, era fácil, com a internet tornou-se difícil, senão impossível. E chegará um tempo, como chegou à ditadura de Getúlio e à dos militares, em que tudo o que foi feito deverá ser desfeito, à custa de outro trabalhão, como o iniciado pelo General Geisel com sua abertura “lenta, gradual e segura”.

Falta as forças armadas afirmarem com clareza que não apoiarão delírios golpistas.

E, no entanto, desde que Bolsonaro despontou no horizonte, a reação militar a suas ignomínias tem primado pela contemporização. O general Villas Bôas disse uma vez: “Ah, ele é incontrolável”, e deu uma gargalhada, como faria um pai condescendente, até orgulhoso, diante das estripulias do filhinho. Mesmo não sendo mais o Comandante, Villas Boas é considerado um ícone no Exército. E foi a ele que Bolsonaro de novo recorreu, na segunda-feira 30 de Março, indo da sua casa para pedir socorro, depois das críticas por ter encenado, no dia anterior, mais um de seus giros pelo comércio de Brasília, em afronta ao isolamento imposto pela epidemia. Villas-Boas não lhe faltou. Postou nas redes: “Pode-se discordar do presidente, mas sua postura revela coragem e perseverança e suas convicções”.

De tapinha nas costas em tapinha nas costas, gestos em que a suave reprenssão se confunde com encorajamento, Bolsonaro avançou até expor suas ambições ditatoriais ao modo escandaloso da performance entre baderneiros e subversivos reunidos em frente ao Q.G. do Exército. Não dava para deixar passar batido, e em nota o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, declarou: “As  Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”. A menção à constituição foi um avanço, mas tímido, cheirando a mero cumprimento de dever burocrático. Nas linhas seguintes a nota mudou de assunto, fixando-se no combate à pandemia, quando devia berrar: “As Forças Armadas jamais se envolverão em aventuras golpistas. Quem as defende merece o mais vigoroso repúdio. Falar em ditadura e Ato 5 é um desvario. Nosso compromisso com a democracia e a liberdade é inabalável”.

A confiança no respaldo militar é o colchão sobre o qual Bolsonaro executa seus saltos mortais. Tire-se esse colchão e a ver se continuará o guri “incontrolável” do General Villas Bôas. O impeachment é inaplicável a um presidente com apoio de um terço do eleitorado. Resta, como recurso para cortar-lhe as asas, a afirmação clara e eloquente de que não deve contar com as Forças Armadas em seus delírios golpistas. Enquanto reinarem a timidez e a ambiguidade, ele terá espaço para avançar, e as Forças Armadas seguirão sob uma nuvem de suspeitas.

*Os textos dos colunistas não refletem necessariamente a opinião do blog.

Roberto Pompeu de Toledo Revista Veja em 24 de Abril de 2020. 

Legenda da foto: De tapinha nas costas em tapinha nas costas, gestos em que a suave repreensão se confunde com encorajamento, Bolsonaro avançou até expor suas ambições ditatoriais ao modo escandaloso Andressa Anholete/Getty Images
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Alan Ribeiro
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